“Eu não tenho mais paciência com a ausência de dúvida”... Eu disse esta frase ontem, em meio à conversa com uma amiga, e no instante em que a verbalizei me surpreendi, pois me parece expressar muito bem minha angústia atual.
Incompreensível como tanta gente estudada, diplomada, se acha tão dona da verdade, tão disposta a considerar o horizonte limitado do que podem perceber como a verdade global e absoluta! Julgam e sentenciam tudo e todos de acordo com... Nada! Ou de acordo com as próprias alucinações...
Eu duvido do que posso ver, ouvir, enxergar, concluir, duvido de mim... E isso vem de muito antes de estudar Descartes e sua dúvida metódica, de muito antes de saber que Nietzsche entende que todo ser vivo é solitário irremediavelmente, pois não pode comunicar suas percepções, sentimentos, pensamentos mais íntimos, mais intrínseco. Vem se muito antes de perder as ilusões com a minha própria capacidade de conhecer totalmente as minhas reais motivações.
Sou um labirinto, um paradoxo, uma montanha de contradições encarnadas que se sobrepõe em circunstâncias que se sucedem permanentemente. Em mim a dúvida sempre foi instintiva, intuitiva. Sempre vivi com a sensação de que havia um estranho à espreita, o desconhecido caminhando ao lado da aparência... E por muito tempo isso me garantiu sensação de vertigem, ansiedade, noites de insônia e a sensação permanente de estar caminhando sobre águas e prestes a afundar.
E perco o interesse pelo que se repete, pelo previsível, pelo estável, pelo “mais uma vez o mesmo”... A previsibilidade é a máscara do que não se lança no vácuo de si mesmo. Preciso da aventura do vácuo, da altura para crescer... Não perco a atração pelos fundos de peço. Apenas espero passar a visitá-los com mais atenção ao que permanece mais nebuloso.
Não sei em que momento comecei a aceitar a insegurança da ausência de solidez, a insegurança do não saber para onde o rio correr e nem se realmente corre... Em algum momento aceitei este como o meu estado natural.
O que me angustia no momento é a crise global de narcisismo ampliada pelas redes sociais. Parece que hoje todo mundo tem certeza de tudo e ninguém conversa mais sobre nada... Pelo menos é isso o que eu vejo até onde posso ver. Predomina a disputa por impor pontos de vista sobre a troca... É uma necessidade superlativa de se autoafirmação impondo-se sobre o outro! E cada vez mais há menos companheiros de dúvidas...
Sou de um tempo em que o diálogo incluía um mínimo de dois. Hoje as pessoas monologam e não se dão conta de que nem sequer falam consigo mesmas, pois não se conhece, não avaliam o próprio comportamento... É, também, o efeito da ausência de dúvidas... Duvidar dói, mas é preciso.