[ Texto publicado originalmente em 23 de Agosto de 2018 ]
Hoje, no Brasil, grosso modo, as opiniões políticas parecem divididas em quatro grupos. Temos a esquerda alienada, os odiadores inconsequentes, os crentes alucinados e aqueles que seguem a vida fazendo de conta que nada está acontecendo.
A esquerda alienada não é homogênea. Há de um lado os petistas, que insistem no projeto de manutenção de um poder que obviamente seria um dos caminhos para o auge do desastre brasileiro. De outro lado, temos uma esquerda progressista e bem-intencionada, mas que ainda insiste no desastroso “nós contra eles”.
Conquistar 50,1% de eleitores não significa ter condições de unir uma sociedade fraturada e que precisa de união. O que fazer com os eleitores que rejeitam o PT? E o PT faz de conta que isto é um detalhe irrelevante, facilmente reversível por meio de um suposto pacto com o empresariado que o traiu... PSOL é mais realista, tem propostas inovadoras (“Meu Bairro, Minha Vida” é interessante), mas não dialoga com parte significativa da população com tendências liberais. Devemos continuar fazendo de conta que os liberas não existem, ou seria melhor declarar inimizade explícita? Ambas as opções já foram praticadas e o resultado é o que estamos vivendo hoje.
Os odiadores não apenas rejeitam a esquerda alienada, eles odeiam violentamente. E tão irracionalmente que não se dão conta de que eles não têm nada de admirável, de belo, de nobre. Odiar é esteticamente feio (na minha opinião, claro). Me refiro ao ódio virulento que se nota nos dias que seguem, que tem como vias de ação a absoluta falta de bom senso, o desequilíbrio, a vulgaridade, a decadência com consequências nefastas. Nada se constrói com tanta irracionalidade.
O problema dos odiadores (frequentemente de classe média e os “pobres” influenciados pela classe média) é a própria incompetência, que eles se negam a enxergar ao apontar a suposta vagabundagem e vilania alheia... Em um quadro econômico que até a pouco poderia ser representado por uma pirâmide em três níveis (pobres, classe média e classe alta), a faixa central, por décadas esteve, em situação confortável. Tinha acesso aos melhores empregos, aos melhores serviços de educação e saúde, a bens materiais, a status social num dado espaço com dada estrutura. Mas, os pobres emergentes passaram a adentrar o mesmo espaço e a tradicional classe média não foi capaz de se mover para o nível mais alto ou de dilatar o espaço. Tivesse ela lutado pela taxação das grandes fortunas, teria dilatado os limites do espaço intermediário. Mas, não... A classe média sempre almejou estar no topo da pirâmide, com tudo de bom que ela imagina que há lá. Apenas não foi capaz de subir. E de quem é a culpa? Dos pobres “vagabundos” e daqueles que criaram as condições para que os “vagabundos” ascendessem. Então, ela os odeia e não se conhece, ou não se assume.
Há duas formas de ir além do ódio. A negação das crenças alucinadas e o evadir-se de todo esse caos... Há um fenômeno interessante hoje, mas sem nada novo, apenas com maior variedade de maquiagens: a alienação religiosa. E aqui eu entendo “religião” como aquilo que promove uma fé, uma crença, que de racional também não tem nada...
Todas as coisas podem ser interpretadas de maneira positiva (afirmativa), ou de maneira negativa . Me parece que o ideal é enxergar os dois lados e ser capaz de avaliar consequências de ambas as perspectivas. Quando há recusa do positivo ou do negativo, algo não está muito bem... Se a negação excessiva indica estados melancólicos ou depressivos, a afirmação excessiva é alienação. Tanto faz se é travestida de fé evangélica dos vendilhões do templo, de Ironman para CEOs, de yoga para executivos, de transumanismo para a vida perpétua, de salvação pelas redes sociais e tecnologias da comunicação... São tantos os caminhos, fanaticamente adotados, para negar a dor, o sofrimento, o medo, os abismos... Melhor seria encará-los pelo que são: abismos!
Em meio ao caos, aqueles que seguem a vida fazendo de conta que nada está acontecendo... Seguem! Vida é movimento. Ser é ser no instante. E construção é trabalho, dos mais variados tipos, cujos resultados permanecem na história. Virar as costas para todo esse burburinho é abrir condições subjetivas para viver mais em sintonia com as necessidades humanas, de um humano que é parte de um sistema natural maior... Me parece que só aqueles que enxergam a dor do mundo, mas não são anulados por ela, pelo contrário, resistem, é que continuam a história no presente. A alienação do real, o irracional das emoções exacerbadas, as crenças irracionais antes são obstáculos a superar... E, ao longo da história, sempre são as minorias que tornam o futuro possível.
Ou seja, no Brasil de hoje continua valendo a máxima: os cães ladram, mas a caravana passa.