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Andre


Andre Matos… 

Se até ontem pela manhã alguém tivesse me perguntado se Andre Matos tinha sido importante para a minha vida eu teria achado essa pergunta muito estranha e dito um “ué, não, pq ele teria sido importante pra mim?”, e acreditaria estar sendo sincera… Mas, ninguém perguntou e a resposta chegou antes da pergunta… 

Certa vez, eu estava saindo de uma loja, quando olhei para frente e vi um carro subindo a calçada e vindo à toda na minha direção. Havia um poste entre ele e eu, então ele atropelou o poste e não a mim… Ontem não houve poste… O celular vibrou, fui olhar e fiquei olhando, chocada e repentinamente atropelada por um fluxo de imagens que desfilavam apenas na minha mente… Andrezinho, loirinho, abrindo show do Platina com o Viper no Teatro Mambembe… Andre com Viper abrindo comício do Celso Barbieri na Praça da Sé, enquanto a estrutura do palco ainda era montada… Andre em show no Parque da Água Funda… Andre na Galeria do Rock, na Woodstock, chegando com o Rafael no Black Jack e ficando por ali por um tempo… Andre com Angra no Aeroanta… Anos 80 e 90... Dias heroicos! E tantas lembranças... E depois...


Aos 14 anos ele estava à frente do Viper, e todo mundo queria ser o Andre. Eu também… Ele tinha o visual perfeito, a postura de palco perfeita, a voz perfeita, era um líder nato, respeitoso, educado, sempre gentil, às vezes engraçado, sempre inteligente e interessante, geralmente reservado, na dele... Desfilava com os olhinhos apertadinhos e vazios, parecendo não enxergava ninguém pela frente... E sem os óculos fundo de garrafa enxergava pouco, mesmo... O menino do bairro Higienópolis e do Colégio Rio Branco... Teve todas as condições para se desenvolver e fazer um carreira maravilhosa... E fez! 

Hoje soa estranho lembrar de Andre e Viper contando que faziam bicos, entregavam pizza para juntar dinheiro e bancar a banda… Eles tiveram essa sorte, além da sorte de se encontrarem! O normal é que quem faz bico e entrega pizza o faça para colocar comida na mesa… Me lembro, com um gosto amargo, de uma certa entrevista nem tão antiga, em que o ex-dono do Black Jack Bar e apresentador do do Som Pop, da TV Cultura, diz que naquela época os músicos brasileiros de heavy metal não queriam chamar a atenção das "empregadas domésticas", e sim de um público culturalmente superior… Bem, eu era filha de uma empregada doméstica, estava começando a trabalhar, ajudava a garantir a comida na mesa e guardava um dinheirinho para pagar os shows e os discos daqueles músicos, porque o que eles tocavam era energizante, espantava a desesperança e me fez ir além da adolescência… Quem vende música vende estados de alma e vende sonhos. 

No Andre eu nunca notei desmerecimentos por quem quer que fosse. Pelo contrário! Ele, com o Angra, escreveu  Carolina IV e o álbum Holy Land, chamando a atenção para o Brasil não do jeito que alguém, no auge dos seus preconceitos, imaginava que deveria ser, mas do jeito que era e é... Assim, valorizava além da cultura europeia, também as influências africanas, indígenas, populares... E, enquanto isso, Andre se tornou um maestro, cantor lírico e pianista, se projetou internacionalmente, viajou por todo o mundo tocando, conheceu seus ídolos, conquistou respeito e admiração, aprendeu seis idiomas, alcançou um nível cultural notável…

Nunca me ocorreu que eu viveria o dia em que ele deixaria esse mundo... Não me ocorreu que ele não fosse imortal, pois sempre esteve nos bastidores da minha vida, com o Viper, com o Angra, com o Shaman, solo ... E hoje, o sentimento que vem é que a importância do Andre Matos, para mim, mais do que de um músico com uma obra genial, é de parâmetro para o que um ser humano é e pode chegar a ser… Dizer que ele é um exemplo de ser humano é até redundante. 



Você cumpriu muito bem sua missão, Andre, elevando os estados de alma de quem o ouviu… 
Vai em paz! Seu legado fica para as próximas gerações... 


[ escrito em 09 de junho de 2019 ]