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Sobre a Crise da Universidade Pública

 

Em algum lugar tenho guardado um livro didático de Filosofia, edição antiga que tem uma tirinha sobre a adolescência… Sobre o tema a autora diz que adolescência é a fase em que a criança, deixando de ser criança, começa a explorar o mundo, para além do grupo familiar e do ambiente escolar, e passa a reclamar seu direito de viver de acordo com a própria vontade. O adolescente quer ser independente! Mas, é um independente que ainda vive na casa dos pais e da mesada dos pais.

Tal situação me lembra a universidade pública brasileira. Se diz autônoma, mas ocupa espaços públicos e depende totalmente de recursos públicos.

O adolescente tem dois caminhos possíveis: se submeter à vontade dos pais e ir prolongando a permanência na adolescência indefinidamente; ou emancipar-se por meio dos estudos e do próprio trabalho. Em ambos os casos, o normal é que não hajam rupturas radicais e que se entre em algum acordo de convivência, pois geralmente há muito amor envolvido.

No caso da universidade pública, “os pais” são mais de dois (um pai e uma mãe). Não é apenas o Estado, mas todo o conjunto da sociedade direta ou indiretamente provedor de recursos reunidos por meio de impostos pagos. E, atualmente, a universidade pública não está em perfeita harmonia nem com um e nem com outro.

Parada numa encruzilha, a universidade pública brasileira não se decide a seguir um rumo, e nem outro. As Humanidades, em especial, a Filosofia mais do que qualquer outra área... A mãe de todas as ciências é uma “mãe narcisista”? Dizem os psicólogos que, à certa altura, uma mãe narcisista acaba ignorada pelos filhos que ela sufoca... A universidade pública está com “síndrome de mártir”, ou seja, se coloca no lugar de vítima quando poderia ser a fonte de todas as soluções?

É pela formação de si, pelo estudo, pela construção do conhecimento que permite construir o novo, e pelo trabalho individual e coletivo, que a emancipação torna-se possível. E quem tem mais condições de prover tais elementos de transformação do que a universidade? Se assim é, porque se chegou ao atual estado de penúria?

Não são perguntas fáceis de responder, pois há muitas variáveis interagindo. Mas ouso dizer que o problema é mais interno do que externo. Justamente por ser hierárquica e meritocrática, sim, com todas as consequências que isso implica, e por ter permanecido encastelada e focada em umbigos próprios também, há muitos ressentimentos calados, que vão sendo empurrados com a barriga e não se conversa sobre. Quem tem "juízo" se cala...Ora, se é hierárquica também tende a ser monopolista? Bem… É complicado!

Não é improvável que a universidade pública, como é hoje, imploda... Pouco provável que haja um retorno às rotinas de antes da pandemia. E muito em consequência, também ou principalmente, do descontentamento dos alunos poucos dispostos a submeter-se a regimes que pouca sintonia apresentam com as exigências desses dias digitais. A área das Exatas parece mais adiantada quanto a adaptar-se; as Humanidades muito menos.

De qualquer forma, esse é um tempo de destruição do antigo e criação do novo. E os criadores acabam ditando as regras do jogo, pelo menos de início e talvez por um bom tempo ou para sempre.



Imagem, Fonte: https://images.app.goo.gl/daSJ3gnt7EQv5V2r8