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Musicando








O conto é do Gogol, chama-se "O Retrato". Se dele você não quer conhecer começo, meio e fim, pode parar de ler por aqui... Tchartkov é um jovem pintor sem tostões e prestes a tornar-se também sem teto. Talentoso, é aconselhado por seu  Mestre a prosseguir nos esforço para aperfeiçoar sua arte, não sucumbindo ao sucesso fácil. O Mestre lhe diz que talento é algo a ser preservado e desenvolvido, mas que é caprichoso e avesso às vaidades vãs, pelas quais tantos jovens se perdem. Fama, fortuna, bajulação são futilidades a serem evitadas pelo artista de gênio, só aceitas com reservas em consequência de trabalho árduo. Mas, Tchartkov encontra um tesouro escondido e, ao contrário de usá-lo como provisão e continuar os estudos, faz exatamente o contrário do que lhe aconselhou o Mestre. Embarca numa vida de homem rico e fútil, passa a pintar retratos a altos preço, cada vez mais submetendo seus dons aos caprichos de outros em troca de mais dinheiro e uma vida luxuosa. Torna-se muito rico, milionário, porém um pintor medíocre envolto em soberba. Certo dia, depara-se com um quadro que todos consideram um primor, uma obra sublime, criação de esforçado e recluso estudante. E Tchartkov se dá conta de seu engano. Tenta voltar ao passado e recuperar o antigo talento, mas não consegue, suas pinceladas não vão além do óbvio, seus gestos são viciados. O Mestre estava certo. Ao tornar sua arte um comércio, Tchartkov perdeu seu dom de artista. Orgulhoso, volta-se contra a própria arte, usando seu dinheiro para adquirir e destruir obras de boa qualidade. Morre pobre e desprezado.





Esta história é emblemática, universal e atemporal... E tenho pensado o quanto ela é apropriada ou não ao caso do cantor Geoff Tate, ex-vocalista da banda Queensrÿche. Após trinta anos de banda, Geoff foi despedido no ano passado e passou a dar declarações que ora mostram resquícios de equilíbrio, ora a soberba descarada. Ele é contraditório, ilógico e parece não se dar conta do que diz. Mais incômodas do que suas palavras são os vídeos que circulam pela internet denunciando suas agressões, a cusparadas, ao baterista da banda, Scott Rockenfield, diante do público, em pleno show da banda em São Paulo, em abril do ano passado, durante execução musical.



Claro que nenhum relacionamento se deteriora de um momento para outro e por um único motivo. Mas, o que justifica alguém cuspir em outro ? Não tem jeito, o gesto fala do homem. E para um artista que pautou tanto seus discursos pelo respeito ao outro, o que há por baixo da máscara tem um peso imenso e deixa boquiaberto quem contou com a honestidade de sua música por três décadas. 





É o velho problema da arte em confronto com a indústria cultural que corrompe corações e mentes... E este está longe de ser o único caso no mundo do rock. Na verdade, é história antiga que se repete. Para mim, que dedicarei este ano todo à reflexão sobre as manifestações artísticas (Estética), este caso ganha uma importância toda especial, até pelo tanto que eu gosto desta banda... Geoff acusa os antigos companheiros de priorizar os negócios. É “tudo sobre dinheiro”, diz ele. Ao mesmo tempo afirma não ver sentido em sua demissão se a banda opera no vermelho e precisa de dinheiro. Oras, precisam dele! O sentido que eu vejo, e que Geoff se recusa até a ouvir falar, é Todd La Torre. 





Jovem, talentoso e sem um milésimo da soberda que se tornou marca registrada da personalidade de Geoff Tate, Todd foi contratado ¨para substituí-lo. É competentíssimo! Meio pedra bruta, é verdade. Mas, bom!  O aluno talentoso, em vias de superar o Mestre! E Geoff não vê. Parece que o vocalista, que influenciou gerações, que no auge da carreira se tornou modelo para qualquer cantor de rock, perdeu até mesmo a capacidade de perceber sua defasagem diante dos antigos companheiros que estão tentando emergir do cao e retornar à vida plena.  Enquanto eles lutam para sobreviver artisticamente, cego, Geoff afunda no próprio orgulho.





A banda, partida em duas, disputa judicialmente o nome. Geoff se apossou do domínio queensryche.com e apresenta a sua nova versão da banda, enquanto leva os outros músicos (queensrycheofficial.com) aos tribunais. Se ainda houvesse algo de artista nele, superior ao péssimo homem de negócios que se tornou, deveria saber que um nome é só um nome, uma palavra entre tantas... O que importa é a alma. E a alma se perdeu e ele não pode recuperá-la sozinho.



E eu me pergunto: cadê o artista e o homem encantador que um dia deslumbrou o mundo com Revolution Calling e Silent Lucidity? Gogol explica? Muito triste!








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