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Entre Amor e Ódio, Lucidez
















A sabedoria nem sempre pode se dar ao luxo de aparentar amorosidade. E o ódio não é sábio nunca.





Estar cercado pelo não previsto ou desejado, pelo que causa medo e horror, pelo que não pode ser controlar, mergulhado em perdas e ausências, dói, tortura, desespera. No auge, imperam ódio e destruição disfarçados de justiça, que se voltam contra tudo e todos.





Estar cercado pelo que não se desejou, também pode provocar o abrigar-se em manifestações de paz e amor alienado. É o fazer de conta que o não desejado não existe ou que pode ser anulado num passe de mágica com o surgimento de um arco-íris. Sorrisos forçados tentando passar por naturais, otimismo exagerado sempre com uma frase pronta de autoajuda na ponta da língua, superficialidades que tentam se passar por sabedoria. É a própria negação da complexidade camuflada na representação de bom senso e boa vontade. O estilo paz e amor alienado pode ser tão destrutivo quanto o ódio destruidor, ou mais. Ambos são cegos.





Para o desesperado que prega o ódio, quem não se submete à sua autoridade destruidora é o ignorante, o bandido, o vagabundo, o que deve ser eliminado. Não o agrada, então que desapareça. Para o otimista alienado, quem contraria sua forma de ver o mundo é mal amado, amargo, não evoluiu, não cresceu, não é iluminado, não é bom o suficiente. Não é igual a ele, com suas perspectivas únicas, então é inferior, eliminável... Fácil perceber que os dois tipos se caracterizam por padrões rígidos de pensamento e de comportamento. Eles não agregam. Classificam e separam. Afinal ou o diferente passa a ser um igual ou ele é um tipo desprezível.





Julgamento de valor é humano demasiado humano, demasiado histórico-cultural de uma cultura que se constrói em meio ao medo, lutas por poder, opções ideológicas predominantes de momento... Bom, mau; pior, melhor; justo, injusto; elevado, inferior; certo, errado; claro, escuro... Classificações estanques que disfarçam a dialética do universo. Esta, sim, que tudo acolhe em sua totalidade.





“Males” transitam para o “bem”, “positividade” que culmina em sofrimento. Amor que se transforma em ódio, ódio que faz nascer o amor. As contradições, na alma e no mundo, coexistem, complementam-se, colidem num mesmo ser, assim como fazem colidir seres distintos. Esta a dialética do universo que tudo acolhe e tudo move... Ignorá-la é falta de lucidez, alienação pelo falso amor feito de superficialidades ou pelo ódio declarado, ambos caminhos de fuga do real, meios de proteger-se de si e dos outros, tentativas vãs de não sofrer. Mas, quem disse que ser lúcido é fácil, agradável, ou mesmo que é uma opção?





“... esse tirano em nós toma uma terrível represália por toda tentativa que fazemos de evitá-lo ou escapar-lhe, por todo conformismo prematuro, por todo igualar-se com aqueles aos quais não pertencemos, por toda atividade por mais respeitável, caso nos desvie de nossa causa ..." (Nietzsche, Humano Demasiado Humano)





Alguns não sabem caminhar sem tirar o véu de todas as coisas, até por descuido, por acidente, por acaso. Assumem o risco em tudo o que fazem, mesmo com medo, e atiram-se de cabeça na esperança de algo maior do que a dor, pois para eles não pode ser diferente. Desalienar-se é ter a coragem de permitir-se sentir dor e transcender em processo contínuo, Encarar o que há de negro na própria alma e na alma dos outros, sem condenações, mas também sem negações.















Foto: Logan Zillmer (http://www.loganzillmerphoto.com/)