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Pós-Pandêmico


[Postado originalmente no meu antigo blog Claro Escuro.]

Ao longo dos últimos 15 anos, seguindo impulsos de momento, abri vários blogs... Eles, um a um foram sendo abandonados à medida que se mostravam inviáveis, geralmente por falta de tempo... Minha mente é uma usina de ideias que frequentemente não chegam a se desenvolver muito, pois os dias, irremediavelmente, continuam com apenas 24 horas... É preciso fazer escolhas e eu, como a maior parte dos mortais, acabo optando pelo mais urgente e essencial à sobrevivência.

E acabo sempre voltando a este blog, o Claro Escuro, o sobrevivente, por questão de sobrevivência. Difícil seguir na vida sem condições mínimas de sanidade mental. Refletir sobre mim comigo significa manter tais condições. Escrever ajuda. Escrever aqui, às vezes, é simples e prático, pois "está na mão"... E quando não está, não escrevo.

Os últimos anos foram de planos frustrados ou adiados em nome da tal... Sobrevivência! Estive ocupada demais tentando manter a minha casa e a minha pequena família em meio a uma pandemia de  vírus e de políticos canalhas e de funcionários públicos de má vontade... Infelizmente, a tríade continua em ação, ameaçando a... Sobrevivência! A minha, a de tudo e de todos que vivem ou existem.

Em meio ao caos, endureci, envelheci, adoeci... Em 2023, quando a maior parte das pessoas já voltaram à "normalidade", eu ainda estou em vias de sair da toca. E incomodada com tal perspectiva, embora convicta da necessidade de "colocar a cara para fora" de vez. Afinal, não movimentar-se é limitar-se, e sempre me debati contra limitações e auto-limitações... [ Se bem que essa não é toda a verdade, muitas vezes me impus limites também. Ser um "trem desgovernado" sempre esteve fora de questão. ]

Mas, quanto ao "incomodada"... É algo que diz respeito a reunir disposição para lidar com novos conflitos, novas expectativas, novos riscos de frustração... O mundo acabou! O que há são perenes possibilidades de recriação...  Poderia eu não sair da toca? Não... Por que o tempo vai me jogar para fora, de um jeito ou de outro... Então, o melhor é sair por iniciativa própria e com alguma dignidade... Hoje trata-se de planejar  e executar o plano para o fim... Como chegar ao fim da linha com dignidade? Ninguém vive para sempre, bem isso!

Nos últimos anos estive, além da preocupação com a manutenção das condições de sobrevivência, financeiramente falando, também preocupada com questões ligadas ao envelhecimento e à saúde. Tenho uma mãe idosa, um irmão com problemas emocionais, uma pet com tendências à melancolia que não sai da cama se eu mesma não me levantar... E eu não estou ficando mais jovem... Isso tudo me forçou a questionar a adequação dos caminhos que, até o início de 2020, eu tinha em mente percorrer... Planos descartados. Por onde seguir agora?

Não vejo mais sentido em ser uma filósofa dedicada a pensar as tecnociências. Não que ciência e filosofia não façam mais sentido para mim. Claro que fazem total sentido! ´É que minha preocupação principal é... A sobrevivência! E como alguém já disse "se a vida te der limões faça limonadas", no momento é mais indicado "fazer limonadas"... Na prática, isso significa que da filosofia transumanista vou transitar para a filosofia clínica.

Nunca tinha me envolvido tanto com o universo médico quanto nos últimos anos... Após um caso de Alzheimer na família, surgiu um caso de TOC. Este último, muito provavelmente, como resultado do trauma causado pela conclusão do primeiro... Trágica ironia que após anos estudando a razão, eu me veja às voltas com a desrazão... E pior, sem saber o que fazer a respeito... E me vi sendo socorrida por um pequeno batalhão de profissionais de saúde... Vejamos, foram 3 clínicos gerais, 2 psiquiatras, 2 agentes de saúde, 2 nutricionistas, 5 psicólogos, 3 assistentes sociais, e 2 advogados... Ah, e atendentes de má vontade da Previdência...Uau! E por quê tantos? Ah, e mais os atendentes de posto de saúde e hospitais, os enfermeiros(as), os farmacêuticos(as), os motoristas de ambulância... E tantos profissionais porque o desgoverno que nos desgovernou nos últimos anos não garantiu boas condições de trabalho no Sistêmica Único de Saúde, e, na primeira oportunidade, os profissionais abandonam o SUS e vão trabalhar em outros lugares... Então, não há terapia psicológica que progrida já que médico(a) nenhum se compromete com pacientes e tratamentos por muito tempo...

Ok, fim de jogo! Serei eu a "terapeuta" da família... Descobri que da Filosofia para a Terapia Cognitivo Comportamental o caminho é bem curto (ou não?) ... E vamos considerar que estudei psicanálise, direta e indiretamente, por cerca de três anos em cursos de Filosofia... E vamos considerar que Spinoza e Nietzsche  têm muito a contribuir, e não apenas eles... Há de se tomar cuidado com "transferência" e outros riscos e pormenores? Sem dúvida... Mas, qual a alternativa? Continuar esperando o próximo psicólogo? Até quando?

Nos meus anos de formação universitária, ouvi várias vezes que "a Filosofia não deve ser tomada de modo pragmático"... Interiorizei isso! Se tornou um escrúpulo profundamente incutido... Mas, convenhamos, é um escrúpulo pouco justificado e bastante inconveniente no atual contexto... Nos dias que seguem, me sinto, muitas vezes, inútil como profissional. A Filosofia "contemplativa", de filósofo que escreve para filósofo, me soa fútil e desconectada das necessidades reais da sociedade... Sociedade esta que sempre custeou os meus estudos... O mundo precisa de reconstrução, eu também, minha família também.... Let's Go!

Ah, então vou colocar os projetos livreiros também de lado? Não.