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TOC


Quando eu começo a não dormir à noite é porque realmente as coisas não vão bem... Em meio à necessidade de ficar firme e seguir caminhando, há dias venho sentindo que não estou prestando atenção a mim mesma, que um buraco negro está se formando dentro de mim enquanto eu faço o possível para ignorá-lo.

Então, vamos admitir! Há um buraco negro se formando dentro de mim... E hoje de madruga acordei agarrada às bordas, tentando não cair, mas me sentindo exausta de tando me esforçar para ignorar e não cair... Quando sinto que estou prestes a sucumbir, me esforço para lembrar que se eu cair o pouco de sanidade que me cerca cai junto... Respiro fundo e continuo em pé. Até quando eu vou aguentar? 

Ninguém da minha família pegou covid-19. Mas, não passamos incólume pela pandemia. Um familiar desenvolveu TOC, o transtorno obsessivo compulsivo. Na verdade, os primeiros sintomas apareceram após o falecimento da minha tia, irmã mais velha da minha mãe, que se foi após 3 anos morando em nossa casa e a cada dia mais debilitada pelos sintomas de demência por Alzheimer. Foi mesmo durante seu velório que o comportamento exagerado, típico do TOC, começou a aparecer, mas ninguém notou. Eu não notei, afinal o meu familiar sempre foi "teimoso" e meio "difícil"... Mas, havia mais do que teimosia, o que só ficou evidente dois anos mais tarde, em meio à pandemia. 

Os corpos humanos são semelhantes, mas não são iguais. Uns reagem melhor às pressões do que outros. No geral, não se é educado para tomar cuidado com as fragilidades alheias (e muito menos isso foi feito durante o governo de um genocida). No geral, se vive como se não houvesse amanhã e "tudo bem" se a gente machuca os outros, pois "tudo passa" e cada um que se vire com suas dores... Se não se virar, "vai morrer mesmo", né... E assim a vida segue e a gente vai espalhando imprudências aqui e ali... E, geralmente, não se está preparado para lidar com os resultados. Pelo contrário! O normal é fugir dos resultados... Miami que o diga, né, genocida!

Como lidar como uma pessoa que se recusa a sair do quarto, a chegar perto até da própria mãe, a abrir as janelas; que passa a cumular pratos, copos e tupperwares em torno si; que liga pelo celular do quarto para a cozinha e inflaciona as contas de telefone até elas ficarem quase impagáveis; gasta até o último centavo comprando álcool em gel e descartáveis por delivery; e lava tanto as mãos e as agride tanto com álcool até a pele se irritar e abrir feridas? E os remédios não fazem o devido efeito e isso não acaba! É uma situação surreal, pois à primeira vista não há o que fazer.

Fui pesquisar a respeito do TOC. Encontrei livros, manuais... Um dos fatores desencadeadores relacionado pelos pesquisadores é o trauma causado pelo presenciar o falecimento de um ente querido sem que se possa fazer nada a respeito. Ok! Mas, como se liberta alguém do trauma? Com medicamentos e terapia cognitivo comportamental. Ok! Mas, aí começam outras as complicações (mais!)... Difícil conseguir tratamento médico domiciliar no auge de uma pandemia. A pandemia abrandou, ou passou? Continua sendo difícil por muitos motivos.

Como "pensadora" me sinto na obrigação de pelo menos procurar por soluções para um problema que, ao menos em parte, é das Ciências Humanas... Mas, eu também tenho minhas fragilidades, não? Destampar a "caixa de Pandora" do meu familiar implica reabrir também a minha, afinal são as mesmas histórias familiares... É sempre muito, muito difícil voltar a fechar a minha própria caixa quando ela se abre. Tanto que prefiro mantê-la bem longe, num lugar isolado, sem que possa ser sequer avistada... 

Ao que parece, amanhã teremos a visita de um novo psiquiatra (o terceiro) e de um novo psicólogo (o quarto)... Não consigo mais ter grandes expectativas... Outro dia ouvi da minha mãe que peguei a mania de me achar auto-suficiente. Não me acho, sei que não sou. Mas, sim, me esforço nesse sentido, porque muitas foram as vezes que precisei de alguém e me decepcionei imensamente... Então, nos últimos anos venho carregado tudo nas costas... Cansada demais, mas ainda resistindo ao buraco negro.. Respiro fundo e que venham os próximos capítulos... 



(Texto que também estava entre os meus rascunhos e que coloco no visível hoje, fazendo a revisão, em 18.09.2023. Foi escrito em algum momento de 2022.)