Não faz muito tempo, ouvi de um professor: “Aluno de Filosofia acha que tudo é complicado. Às vezes não é. Às vezes é simples”. Eu, que me esforçava por encontrar a porta que me daria acesso ao templo da complexidade, confesso que me irritei. Mas, fiz de conta que não e fui embora me sentindo incompreendida e mal ouvida.
Em fevereiro, aconteceu meu último encontro com a turma da faculdade. Mais da metade de um dia passado entre a mesa do café da manhã na Bella Paulista e do almoço no Desfrutt, seguido do giro pela Livraria Cultura e o sorvete no Center Três. Na despedida, só para prolongar o bom papo e a boa companhia, aceitei uma carona oferecida por um amigo. Mas, foi só entrar no carro e ver desabar um baita temporal. Por causa da chuva, pedi para mudar o trajeto. Não queria mais ficar no mesmo lugar.
E o motorista, meu amigo, solícito, deixou a Augusta e fez um baita retorno pela Bela Vista para me deixar na Xavier de Toledo, conforme pedi sem avaliar implicações... A Bela Vista! A Martins Fontes, a Avanhandava, a Araquan, a Nove de Julho, a Treze de Maio... Foi passando de carro pela Bela Vista, num domingo chuvoso que comecei a voltar a colocar os pés em terra... É, teve um momento exato... Me dei conta de que estava protegida no carrinho, sob um mundo d’água que caía de nuvens escuras, num trajeto que se eu tivesse previsto teria fugido... Mas estava protegida, estava agradável e confortável ali... A vida nunca havia me deixado ao relento como muitas vezes senti que estava... Seguíamos, atravessando enxurradas enquanto o Rodrigo ignorava os trovões e continuava contando seus planos para o futuro... Ele falava, dirigia e eu, ouvindo e olhando ao redor, me sentia como quem lentamente acordava de um pesadelo.
Chuvas têm um efeito poderoso sobre a minha alma. O ciclo das águas, como meu ciclo de vida... Atravessando a Bela Vista sob a tempestade, percebi que minha vida não estava vazia, que eu não estava abandonada, que havia um caminho esperando para ser retomado e pessoas contando comigo. Meu lugar era aquele mesmo e nenhum outro, ao lado dos amigos com quem havia iniciado um caminho comum, de pessoas queridas e de ninguém mais. Estava tudo como tinha que estar.
Mas, se naquele instante me dava conta disso, como nunca antes, era apenas porque os amigos estavam ali e não desistiram de mim, como se soubessem que eu, num momento único, num lugar exato do planeta e talvez o mais improvável, sob as águas únicas de uma tempestade única, ouviria a simplicidade que dita a resposta para todas as coisas e que sussurrou para mim “não é necessário entender, apenas viver e seguir adiante sempre”.
Depois disso, retomei minhas pesquisas filosóficas, voltei a me apresentar à academia, mas com um outro entendimento... Não estou procurando essências, verdades, nem mesmo sabedoria. Já aprendi que é impossível separar perspectivas e palavras, lógica e dialética, racionalidade e fantasia. E não seria a razão uma fantasia?
Filosofia é apenas um “passatempo sério”, um encadear de discursos racionais, um brincar com a razão como crianças brincam com fantasias... Um mar de possibilidades. A vida não precisa de explicação, antes de poesia e leveza. Ela simplesmente acontece encadeando pontos dispersos de formatos mutáveis... E pensar que a gente precisa cair e levantar tantas e tantas vezes, se machucar tanto, para aprender a enxergar o simples.
Sei que machuquei alguém por não enxergar a simplicidade e por não ter colocado o complexo no devido lugar antes. A única pessoa que um dia me deu a breve impressão de realmente ter sido vista... Hoje, suas reservas não apagam a lembranças de seus sorrisos e de suas palavras. Torço para que também eles não estejam atrelados a momentos únicos e tenham se dissolvido em tempestades.
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