As aulas começaram no dia 4. Não fui... Estava "retirada" numa reunião de trabalho que durou três dias. Daí veio carnaval. E foi o carnaval mais logo e doloroso que eu já vivi... Só ontem me animei a procurar saber o elementar, quais os dias e horários de aula, qual a sala, essas coisas... E buscando saber desembarquei na Moóca no exato momento em que o céu desabava, desaguando nuvens negras, e o fornecimento de energia elétrica era interrompido.
Tempestade assustadora! No prédio da faculdade, água invadia as passarelas e funcionários assustados corriam para fechar portas e janelas em meio às raras luzes do gerador. Mas, mal atravessei o portão e me senti envolvida por aquela sensação de quem volta pra casa... E me surpreendi por perceber estar de volta sem sentir o peso na alma que aumentava toda vez que eu pensava naquele lugar. Andei pelos corredores conhecidos sem lembranças amargas e me emocionei por senti-las distante... É que novas preocupações equilibram o peso das antiga, eu sei... A perda da Teka, o fim das minhas ingênuas esperanças socialista (a humanidade está muito distante de tal sonho), a necessidade de pensar o que fazer no presente para ter um mínimo de segurança no futuro.
Pensei muito, hesitei demais antes de aceitar o conselho do meu coordenador de curso. "Vamos colocar uma pedra encima de tudo de ruim e recomeçar", disse ele em tom persuasivo... Acabei aceitando recomeçar porque antes do ruim fui muito feliz naquele lugar... Mas, tenho me perguntado muito sobre o que fazer comigo; como conviver com memória e sentimentos que são apenas meus, mas que não podem continuar destruindo a minha vontade de viver... E o que fazer com uma vida que de comum não tem absolutamente nada, sabendo que está tarde demais para voltar atrás e "me enquadrar"... E me refiro a tudo, vida profissional, pessoal, tudo... Radicalizar e impor esse "eu" pede uma força que eu não sinto. E me pergunto onde se escondeu em mim a força e determinação que eu um dia tive.
Penso muito em Spinoza que dizia ser pela razão que a gente pode superar as paixões tristes e viver em "beatitude". Sei que não posso continuar me abandonando. Meu corpo e minha alma pedem cuidados. E sei que se esperar a cura vinda de outros estarei me condenando à morte... É triste saber que algumas das pessoas que a gente mais amou na vida, de certa forma, e muito conscientemente, atentaram contra nossa vida. Triste demais! Mas não pode ser mortal. Não se pode morrer de tristeza por si e por outros.
Também sei que perdi excelentes oportunidades nos últimos anos. Nada menos do que seis dos meus professores de filosofia assumira cargos em universidades federais nos últimos anos, e se eu não os acompanhei para o Mestrado foi apenas porque me abandonei... O que fazer com a vida? Continuar seguindo o trio elétrico que passa e vai se retirar no fim do carnaval, ou não só recomeçar, mas agarra o essencial com toda dedicação do mundo para nunca mais soltar?
Chega um momento na vida em as opções se resumem em duas... Ou me encontro de vez e sigo comigo até meu último momento de vida... ou, me perco de mim, de uma vez por todas, e no meu último momento vou lamentar ter vivido de forma falsa e incompleta, correndo atrás de trios elétricos de ocasião... Chega um momento em que a gente não tem mais tempo para continuar encima do muro.
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