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Da Superfície








Hoje foi o meu último dia de aula do semestre. E eu estou aqui e não na aula. Não que esteja curtindo uma mera vagabundagem, é que só a pouco conclui meu último compromisso profissional do dia. Tarde. Desde 2008 a minha vida acadêmica vinha assumindo o primeiro lugar na ordem de prioridades. Acontece que a fase se prolongou e perdeu o lugar por força das circunstâncias.





E com o trabalho e o dinheiro como prioridades, me vejo na situação de ser obrigada a encarar que sou muito mais parecida com o que já critiquei fervorosamente em outros do que gosto de admitir. Para mim isso não chega a ser novidade. Muitas vezes, ao longo dos últimos anos, me peguei em escolhas que antes havia criticado em alguém. Somos parecidos, sim. Muito parecidos, no lado negro! Somos ou nos tornamos.





Não tenho a magnanimidade das pessoas que resgatam as melhores explicações para os piores atos. Em minhas elucubrações passei a descascar as aparências de uma forma que poucos gostariam de saber. Não há ilusão que permaneça no trono. Não me iludo comigo mesma nem com o mundo e se me dizem que pareço amarga, retruco: sou lúcida. Irremediavelmente desperta. Não preciso mais de ilusões para fugir da aridez. Antes as seleciono, as ilusões, para enfeitar artificialmente cenários inóspitos. Se a solução é fazer da vida uma obra de arte, que não me peçam que a obra seja uma farsa. 





Ando com sérios problemas com o tempo... Ele ameaça me engolir e não encontra em mim um oponente. Sinto como se tivesse chegado no fim da linha, como se tivesse traduzido o essencial e não houvesse nada mais. Conheço como discursos giram sobre si mesmos em espirais, como razão se bifurca em imaginação e vice-versa. Me desfaço no não dito que é mais verdadeiro do que palavras vãs. 





Outro dia me lembraram uma das máximas de Spinoza, que a gente deve se tornar “causa eficiente” dos nosso atos. Em outras palavras, não devemos deixar que o mundo nos arraste e sim, pela razão, orientar a própria existência. Mas, há muito tempo a marcha do mundo vem me arrastando e estou boiando na superfície, lúcida e espantosamente apática, observando tudo ao mesmo tempo agora. Spinoza diria que fui exaurida pelas “paixões tristes”. Fui! E a razão passou a não servir pra muita coisa. Quando a gente é capaz de encontrar sentido em tudo, pode se perder no nada. É um niilismo às avessas. Aprendi a ver o avesso de todas as coisas. Ter sentido ou sem sentido acaba dando na mesma.





Não posso dizer que eu esteja em um mau lugar. Não, mesmo. Quem quer ver, paga o preço. É certo! Então, a vida tem sido solidária comigo. Algo cuida de mim quando não posso. Há oportunidades soltas no ar, mas ainda está faltando algo que reacenda a chama da vida para que eu possa agarrá-la. A vida me leva enquanto me falta um algo que precisa ser inédito. Assim, mato apenas o inadiável de cada dia.



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