"Nós éramos parecidos. Muito parecidos na nossa petulância descuidada de dizer o que pensávamos. Por isso me encantei com suas palavras, com seu jeito outsider, com sua erudição turbulenta e inquieta... Eu continuo a mesma... Minto. Me tornei mais petulante, de um descaramento irmã da descortesia corrosiva que se voltou contra você. Nunca tive paciência para subterfúgios. Máscaras me irritam insuportavelmente. O acúmulo de improváveis e desastres serviu de estimulo à ira tradicionalmente contida. Relevei muito. Não relevo mais nada.
De mãos dadas seríamos imbatíveis, um chamando o outro a si quando a subversão ameaçasse ultrapassar a sensatez... Se você não tivesse se tornado surdo... Não sei bem mensurar o ponto em que nos distanciamos... Não que eu não o conheça... Fica difícil avaliar uma realidade que você não confirma... Sei que o prazer de sermos um se transformou em energia fluída de seres opostos em guerra permanente. Produto da ausência de frases curtas que teriam selado outra substância... Não, não houve brincadeira. Apenas confusão ampliada em momentos obscuros. Sempre há buracos negros escondidos em meio a belos gramados.
Ainda somos parecidos. Iguais na nossa petulância descuidada em dizer o que pensamos. Mas, você tornou-se ainda mais surdo e fala consigo... Muito da vida se define pela incompreensões, pelas perdas, pelas separações. Então, seguimos em guerra que você finge que não o atinge para que se torne verdade... Me atinge. Numa mistura de tristeza vaga e prazer perverso por desejar derramar-se sobre você... E você parece sólido, inatingível. Um monolito sem destino, fechado em si mesmo, em frágil aparência."
(JP)
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