Querido diário, não eu não morri... Continuo caminhando sobre a Terra. Também não há nenhum motivo especial que me leva a escrever cada vez menos. Talvez muitos motivos... Na verdade, há muito acontecendo ao mesmo tempo e sempre me pego invadida por uma vontade urgente de fugir para algum lugar onde não existam celulares, Internet, nem um monte de banalidades que ameaçam me levar pra longe do essencial.
Hoje em dia é preciso aprender a lidar com a tecnologia da informação para que ela não nos paralise, não nos soterre, não nos transforme em apêndice banal de um mundo banal. Com o celular é fácil de revolver: ignore, desligue, atire na direção da lixeira mais próxima. Pouca coisa é tão urgente que não possa esperar um pouco. Com a Internet é mais difícil. O útil se funde ao inútil, o necessário se entrelaça com o descartável, o sublime com o aparente. O navegar em linha reta exige o esforço extra de equilibrar-se à beira de abismos. De um lado o fosso da desinformação, do outro o precipício da exaustão por excesso de dados. Entre os dois, a vertigem... Difícil! Me embala o sonho de um dia ir pra bem longe na companhia dos meus livros, filmes e CDs. Desisti de salvar o mundo. A sociedade é injusta porque as pessoas são injustas e não se esforçam para ser diferente. Kant estava certo no século XVIII e nada mudou. O homem é responsável por sua menoridade. Me refiro, claro, aos cosmopolitas, aos "instruídos" diplomados medíocres.
Desde a última postagem, primeiro me vi embalada pela angústia provocado pelo término da leitura de "Um Dia". David Nicholls é um escritor corajoso. Não é todo mundo que se aventura a ler um segundo texto de um autor que já o deixou angustiado. Pós One Day, a gente fica pensando naquele momento que tudo podia ter dado certo, mas que tudo saiu dos trilhos, ou no pouco tempo que a gente tem para fazer e viver as escolhas certas... Eu, como todo mundo, vivi meus momentos cruciais e não me sai bem deles. Gostaria que tivesse sido diferente? Bem, eu não seria a pessoa que sou hoje e estou voltando a gostar de ser quem sou hoje.
Antes desta angústia me deparei com outra: o desencanto com os movimentos de esquerda deste país. Depois de estudar Teoria Crítica por mais de dois anos, saí da faculdade com a impressão de que a culpa pelo mundo maluco em que vivemos é do Sr. Capitalismo. Daí fui trabalhar em ambiente pretensamente socialista, só para ver que os líderes de esquerda hoje agem igualzinho aos capitalistas... Disputa de poder, disputa de vantagens, mundo das aparências, uns querendo se livrar do outros para garantir a segurança do seu rabo preso. Calam-se para se garantir-se... Tudo igual na terra do Nicolau! Alguns agem conscientemente, outros embalados por discurso ideológico que eles mesmos usam, mas não analisam a dissonância entre o seu dizer e o seu fazer. O máximo a se conseguir é trocar uma elite por outra. E se é "uma por outra" eu fico com a que já está aí, pois a que está aí a gente já conhece bem. É tão previsível que se torna óbvia. E também eu já sou bem previsível. Eu digo "não, obrigado"!
Salva da angústia eu fui pelas minhas professoras, as queridas Meninas Super Poderosas que me convidaram para um curso sobre Filosofia do Cinema. Um semestre inteiro estudando cinema não é para se desprezar. A Filosofia tem que servir para algo mais do que mostrar problemas e deixar a gente angustiado. Há tempos venho querendo que ela me dê alegrias, que me surpreenda com visões do mundo que não sejam caóticas, bárbaras, sem a ansiedade de almas estraçalhadas entre conflitos insolúveis. Quero poesia, luz, esperança pra uma alma combalida. Tem sido realmente libertador pensar em energias, linguagem, tecnologia, percepções, virando tudo do avesso, buscando pelo que está por baixo, bem no fundo... E isso sem o fantasma da necessidade de salva o mundo. As coisas consideradas por elas mesmas, como são.
Outro dia, após a última aula, voltando para casa, me peguei entre as duas pistas de uma avenida em São Bernardo... Estava de jeans, tênis, camiseta, mochila nas costas e cara lavada, num lugar estranho, observando os carros indo e vindo... Pensava em como a gente pode estar acima desse burburinho todo simplesmente encontrando-se consigo mesmo, rompendo com papéis a interpretar, com a ditadura da moda e da aparência, libertado-se tanto quanto é possível libertar-se... É que naqueles dia eu havia assistido Americana Beauty, o filme, para uma aula que o analisaria com base em Nietzsche e Spinoza... Aí, não tem pra ninguém! É de lavar a alma, MESMO... Mas isso é assunto para outra oportunidade. :)
.