Não faz muito tempo comentei com um amigo sobre minha necessidade de encontrar uma nova paixão. Não me referia à paixão por uma pessoa, mas por um "algo" que me envolvesse, me impulsionasse naturalmente e irresistivelmente rumo a novas superações, novas descobertas, novas realizações. Que fosse uma ideia percebida por meio de um filme, de uma música, de um livro, de um acontecimento qualquer da vida, uma nova perspectiva, enfim, um "algo" que me fizesse sentir viva e começando uma nova etapa da existência, que espantasse a letargia, a falta de vontade. Eu precisava me sentir como uma "criança em loja de doces", como gosta de dizer o Vile Vallo... Mas, não me sentia.
Estive em um deserto existencial por muito tempo e não pela primeira vez. Por experiência, bem sei que a gente não encontra esse "algo" olhando ao redor. Procurando, mais me engano do que desvendo. Não está no presente nem no futuro. Não. É sempre retomando o passado que eu ajeito o terreno para que esse "algo" me encontre... Ele é que me encontra. Por isso a necessidade de silêncio, de quietude, de calar todos os ruídos para ouvir o "algo" que habita o coração e só fala à mente muito baixinho... Ser encontrada é sempre questão de vida ou morte para alguém familiarizada com o desespero dos fundos de poço.
Se há uma ausência de sentidos e de rumo, então em algum momento houve uma ruptura. Importa sintonizar-se com o essencial, condição primeira para encontrar o elo que se rompeu. O ponto de ruptura também é o ponto de renascimento. Esta é uma teoria muito pessoal que, para mim, sempre é a mais válida.
Me parece que a adolescência é o período em que cada um encontra seu caminho para a vida adulta. A minha adolescência foi um período de descobertas que seriam mais tarde descartadas tanto em nome da necessidade de encontrar soluções práticas para problemas práticos e urgentes, quanto da derrocada de um movimento que deveria ter sido o que nunca conseguiu ser e se diluiu... Nietzsche estava muito certo ao dizer que os fracos sempre vencem os fortes. Os fracos sempre vencem por acúmulo de fraquezas que sugam as energias dos fortes, enquanto os fortes permanecem como andarilhos, os condenados a cair e aprender a levantar várias e várias vezes e a buscar pela concretização de ideais que nunca se concretizam. O movimento se diluiu... Não para mim, não para uns poucos.
“... esse tirano em nós toma uma terrível represália por toda tentativa que fazemos de evitá-lo ou escapar-lhe, por todo conformismo prematuro, por todo igualar-se com aqueles aos quais não pertencemos, por toda atividade por mais respeitável, caso nos desvie de nossa causa ..." (Nietzsche, Humano Demasiado Humano)
Para quem anda de mãos dadas com seu tirano pessoal, a vitória tem outro sentido, acontece em outro nível... A a gente demora a perceber que a realidade é composta de diferente níveis, dimensões, esferas, campos de ocorrências, de percepções, de vivências... Interessante como aquilo que um dia não fez o menor sentido e se perdeu em meio a tantos fragmentos que permearam uma vida, pode ressurgir como o que nos traduz da forma mais perfeita! Interessante que justamente aquilo que foi desprezado, anos mais tarde seja percebido como o elo capaz de unir o antes e o agora, anulando a ruptura... Nada se perde, tudo se transforma.
Todas as pessoas que eu "conheço" só "conhecem" fragmentos de mim, "imagens" de alguma fase da minha vida, que é composta de tantas fases, de tantos pegar e largar em função daquela ruptura da adolescência... Para cada fase, certo lugares e certas pessoas, em certas épocas... Fragmentos, apenas! A história total e o ser que se revela em sua totalidade só eu mesma posso vislumbrar entre as sombras do passado... Hora de dar meia-volta, rumo às sombras...