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Mensagem na Garrafa, Ano 38, Número 2



Meus sonhos de viagem sempre foram polares. Noruega, Suécia, Islândia, Patagônia, Ushuaia... Embora seja uma friorenta notória, tenho fixação por paisagens com gelo e neve. Adoro! Mas, na minha imaginação tais lugares sempre aparecem envoltos pela luz intensa de um solzinho frio. Sei que sou bem pouco realista... E se tivesse que passar dias, semanas ou mesmo meses sem ver a luz do sol, acho que morreria de tristeza. 

Em São Paulo está frio, muito frio, e há dias. Por hora, a Maia parece mais incomodada do que eu. Está “elétrica”, ansiosa, sem os passeios e nem mesmo o quintal. Sem, mesmo, já que ela anda espirrando, apesar da vacina contra gripe, tomada meses atrás. Ela completou seis meses e desde que veio para casa, meus dias começam com a festa que ela faz quando me levanto da cama de manhã; as horas passam com ela andando atrás de mim pela casa ou eu andando atrás dela, contendo suas estripulias, e terminam quando a coloco para dormir nos inícios de madrugada.

Nos tornamos inseparáveis por sermos duas náufragas. Eu, à deriva, a avistei em uma gaiola de pet shop quando ela tinha pouco mais de cinquenta dias de vida. Tão pequena e já arrancada da mãe! Se tornou a minha filha adotiva e eu tenho orgulho dela. Alegre e carinhosa, uma lady que só late muito raramente, frente a estranhos. Cheguei a levá-la ao veterinário, porque além de um soluço persistente, ela não latia. Ouvi um “não se preocupe, ela vai latir, tudo tem seu tempo”... Tudo tem seu tempo!

Para mim é tempo de transição e o inverno traduz bem o meu estado de ânimo. A vontade está congelada, embora eu precise encontrar um caminho urgentemente. Mais do que nunca ser meu amigo exige paciência, compreensão e tolerância. Não quero ver ninguém, falar com ninguém, não estou podendo com nada. Contente estou por ter deixado o facebook há dias, semanas. Estava ficando viciada em “curtir” e “compartilhar” enquanto meus livros não lidos me olhavam das estantes e a vida passava. Controlar um vício é uma vitória. Preciso de outras, de várias outras. Todas sobre mim mesma.

Outro dia me dei conta de que há vinte anos passo meus dias frente a um computador. 20 anos! E há 13 tenho Internet em casa. Desconfio que minha vida teria sido muito melhor nos antigos moldes. Minha geração, de certa forma, é privilegiada, pois conhecemos o antes e o depois da revolução da informática. Eu prefiro a vida de antes, apesar de certas vantagens inquestionáveis do agora, então estou colocando muita coisa à parte. Pretendo ficar com o blog e os e-mails e só.

Comecei a trabalhar com 14 anos, como recepcionista e datilógrafa. Duvido que muitos concordem comigo, mas a forma de trabalho de então era mais de acordo com as necessidades humanas... Marx, que falou sobre a alienação do trabalho mecânico, o que diria do esgotamento pelo trabalho mental? Está se tornando lugar comum ver gente reclamando de solidão, de falta de sentido, de insatisfação, de se sentir perdido em meio ao caos, do vazio existencial... As faltas fazem tão mal quanto os excessos. Hoje a gente tem excesso de oferta de informação, de artes, de cultura, de entretenimento, de coisas a fazer, lugares e pessoas a visitar e acaba sem fôlego, exaurido, sem nada mais sentir ou querer.

Eu olho pra Maia e sinto que ela, sim, é minha ponte para o além, minha âncora na realidade, pois ela é um serzinho indefeso que precisa de mim... E eu, hoje, amanheci chorando de saudades de você... De quem me foi arrancado quando eu também era um serzinho indefeso... De quem fazia por mim o que faço por ela, me pegava no colo, cuidava, protegia e dizia “eu te amo”... Se de todas as minha perdas se Deus permitisse que eu recuperasse uma única, não tenho dúvidas que seria para você que eu iria... Saudades sem fim...






(SV)