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Dissonância






 




Aparelho antigo de televisão... O primeiro da minha vida consistia de uma caixa de madeira escura envernizada. Dela saía um fio que se ligava à tomada e outro que escalava a parede rumo à antena, na lage. Na tal caixa, do lado de fora se destacava uma tela de vidro cinzento e alguns botãozinhos.



Com três, quatro anos de idade, eu acreditava que ali dentro havia um mundo mágico que magicamente se mostrava. Mais tarde a mística se desfez. Entendi que sinais eram captados pela antena e convertidos em imagens e sons pelos tubinhos luminosos que brilhavam dentro da caixa.



Não há o que defina melhor como tenho me sentido, orbitando neste século XXI, do que a lembrança daquele primeiro aparelho de TV. Capto sinais que viajam pelo espaço e que são convertidos pelo meu corpo em sons e imagens mentais. Como o espectador que gira os botõeszinhos frontais da caixa mágica, combinando cor, contraste, brilho, eliminando distorções e chuviscos, empenho esforços diariamente para melhorar a clareza e distinção de minhas imagens mentais.



Porém, a qualidade da recepção e a satisfação do espectador também depende da qualidade da programação e das fontes de sinais... Não sei bem o que fazer com parte da programação nem com parte dos emissores... Nada é apenas descartável. Venho exercitando a tolerância com os maus fornecedores, aqueles que insistem em emitir mais do mesmo ruim, alienadamente, agressivamente, equivocadamente das mais variadas formas, estridentemente... É tanto ódio para tão pouca compreensão! É tanta agressão para tão pouca existência! É tudo tão intoxicante e contra a vida! Mas, a tolerância não evita a sobrecarga do equipamento nem seu, talvez evitável, desgaste.



Talvez voltar a acreditar na antiga mágica do mundo interiorizado seja um antídoto... Criação contra a desilusão.



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