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Curinga










"... o que você faz se, ao chamar o elevador de um prédio estranho, à noite, a porta se abrir e lá dentro estiver um sócia do Curinga, com uma cicatriz perturbadora na face e vestindo um sobretudo enorme que poderia muito bem esconder duas pistolas, três granadas e um rifle? Você certamente teria uma vontade súbita de descer pela escada e sumiria de vista. Pois eu entraria no elevador toda faceira, daria boa noite e faria comentários sobre o clima, pois deus que me livre de ele achar que sou preconceituosa e que sua aparência me fez pensar que ele pudesse ser um esquartejador de mulheres. Por que ele não pode ser um pai de família como qualquer outro?"






Palavras da Martha Medeiros. "Sou eu" pensei, quando li... "Ela está falando de mim!" Me veio à mente as muitas vezes em que todos os meus instintos vibravam, alertando para a roubada em que eu estava me metendo, gritando que eu não deveria entrar no elevador... Sempre fui boa em ignorar meus instintos na esperança de que eles estivessem errados. É verdade que as aparências enganam. E como enganam! Mas, meus instintos gritam mais alto quando está tudo perfeitinho na superfície... São naturalmente especializados em detectar lobos em peles de cordeiros.





E sempre gostei de ler horóscopos. Mas, dois minutos depois de ler, se alguém me perguntar o que li, não sei dizer. É um hábito mecânico sem maior importância. Mas, um certo horóscopo está na minha cabeça há tanto tempo que sou incapaz de dizer exatamente desde quando. Apenas um, do Quiroga, há pelo menos umas três décadas, paira na minha mente... E era para os escorpianos. Dizia ele que o único pecado real é a separação, aquilo que nos distancia irremediavelmente da comunhão com o outro.





Sempre achei rompimentos uma coisa terrível. Melhor acolher o diferente de braços abertos e quando houver um distanciamento, continuar amigo, mesmo que o "amigo" seja só uma palavra possível.  Mas, 2013 foi o ano em que venci o Curinga, ou melhor venci o preconceito contra o efeito Curinga em mim e rompi... Ousei descer pela escada! 





Por mais que eu acredite que pessoas não são descartáveis e que eu não devo tratá-las como se fossem; por mais que eu acredite que a tolerância é uma virtude e todos merecem uma segunda e uma terceira chance, à certa altura resolvi chutar o pau da barra, literalmente, por total falta de reciprocidade e empatia (essa palavrinha de novo!) e não sem sentir muito.





Cansei de ter meus dias estragados, minha vida estragada quando piso em cascas de banana "esquecidas" por outros em momentos cruciais. Cansei da fé sempre frustrada, das esperanças gastas em casos perdidos com pessoas infantis e perdidas; cansei de dispor tanto de mim para quem não merece nada. Cansei de mim e do meu "efeito Curinga". Acho que já escrevi isso... Mas, reescrevo, pois agora entendo melhor que a rebelião antes foi contra mim e contra minha própria forma de viver a vida.





Nos últimos meses me dispus a ser menos tolerante e notei, até sem surpresa, que as pessoas que estavam a me causar os maiores problemas não eram os mais simples, supostamente incultos e ou os com "cara de Curinga". Muito pelo contrário! Eram os soberbos, que meus instintos detectam de cara, mas que a boa vontade faz tolerar na esperança de que eles não sejam realmente como são, ou que mudem... E daí vou relevando, relevando, relevando e apostando mais no outro do que ele mesmo apostaria em si mesmo. Aposta sempre perdida. E será que tenho o direito de esperar que alguém mude? A desculpa é sempre justificar o desejo de mudança por um gostar do outro. Bobagem! Se a gente quer que mude é porque já não gosta.





Quando escrevo sobre alguém é raro que terceiros tenham alguma pista de quem se trata. Nunca dou nome aos bois e não vou quebrar agora a minha própria regra. No jogo de não me dar por entender, nem posso falar do que estou falando se pretendo continuar não sendo entendida... Neste caso, não vale à pena ser entendida... Certamente no mundo também há aqueles que se sentem agradecidos por não serem entendidos... Basta dizer que 2013 foi o ano em que concordei com a Martha Medeiros, embora talvez não tenha sido gentil.






"... seja gentil, mas não a ponto de perder o tino. Se tiver que ferir suscetibilidades para salvar sua pele, paciência. Atravesse a rua. Desça pela escada. Sucesso é chegar em casa com vida." (In: Feliz Por Nada)






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