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Dom Casmurro, de Machado de Assis






Eu nunca havia pensado que poderia sentir por um texto antigo a mesma sensação de observar uma foto antiga... Escrevi este texto há uns vinte e cinco anos, pelos menos. Estava no então chamado Colegial. Ele faz parte de um trabalho maior com biografia do autor, resumo do livro e outros tantos quesitos analíticos (no sentido leve do termo) pedidos pela professora de Literatura. E por ter ficado muito contente com o resultado, guardei as laudas, que foram datilografadas em máquina manual. Vira e mexe esbarro nelas ao colocar ordem nos meus arquivos. Ontem parei para ler e fiquei me perguntando que raios eu entendia por "discurso", "problema de identidade", "consciência de descontinuidade", etc., naquela época... Enfim, como eu sugeri no meu texto sobre a Valesca Popuzuda, às vezes a gente não sabe que sabe, mas já sabe... Segue meu velho texto com pretensões de análise crítica, tirado de folhas amareladas pelo tempo. Me fez pensar que de lá pra cá, em mim, só a acúmulo de dados mudou, aumentou.


"Machado de Assis apresenta-nos uma obra de caráter essencialmente filosófico e psicológico. Através de uma narração detalhada e minuciosa, Machado buscou reforçar o aspecto comum de seu personagem e substituiu a figura do herói idealizado pela imagem do homem real, que tem receios, dúvidas, e passa por diversas fases, como qualquer ser humano.


Sendo centro narrativo o depoimento de Bentinho, personagem narrador, podemos admitir que seu discurso contém um problema de identidade e de autoconhecimento. Vale dizer que a confissão literária é o veículo pela qual se demonstra a reflexão do personagem sobre si mesmo e sobre os fatos que o cercam.


Por baixo do drama de Bentinho entremostra-se (sic!) o drama do escritor que procura resgatar-se por intermédio da escrita. Como a obra vem a ser também um testemunho do convívio do autor com a mais refinada literatura universal, o narrador alude às sombras evocadas no Fausto (Goethe): "Aí vindes outra vez, inquietas sombras (...)".



Conforme vai narrando sua vida, Bentinho indiretamente discorre sobre vários temas, de maneira filosófica e realista. Destacam-se:


- a descoberta da sexualidade e do amor, que se torna razão de deslumbramento para a criança que se transforma em adolescente e passa a descobrir o mundo;

- as relações familiares da época, que impunham a autoridade materna, oprimindo Bentinho;

- a amizade de criança que se transforma em amor de adolescência e, posteriormente, em união conjugal;

- a amizade que trai;

- o ciúme e a insegurança que transformam Bentinho em alvo fácil de conflitos interiores e do poder de sua própria imaginação, que poderia tê-lo levado a acreditar-se traído pela esposa e pelo melhor amigo.


E o narrador, ao formar a consciência de descontinuidade de seu discurso, delega ao leitor a tarefa de preencher as lacunas, pois "tudo se pode meter nos livros omissos".


As sugestões filosóficas voltam e se repetem costurando um texto carregado de sentidos, levando à independência de certos capítulos concentrados em determinado tema moral, ou totalmente filosófico, que convida o leitor a meditar sobre a trajetória humana.


O final do livro fica propositalmente marcado por um dilema não esclarecido. Foi Capitu culpada de adultério, ou não? Bentinho estava certo, ou tudo não passa de uma peça pregada por seu ciúme e imaginação? Machado deixa-nos com esse mistério, não desvendando totalmente sua história e reafirmando o estilo realista adotado em toda a obra. Afinal, nem sempre a vida se desnuda totalmente ou, como diz o autor, 'nem tudo é claro na vida ou nos livros'."







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