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In Memorian









Ele foi um homem meio temperamental e a maior parte de seus funcionários tinha medo dele. Uma de minhas amigas mais queridas foi sua secretária e o detestava. As pessoas temem a combinação de dinheiro com poder, isso sim. Fosse um “zé ninguém” com crises ocasionais de fúria e não dariam maior importância, talvez até achassem engraçado. Mas temem quem pode mudar o curso de suas vidas com uma frase. E ele podia.






Eu, por natureza, não o temia, pelo contrário. Ele sempre me tratou bem, sempre foi até surpreendentemente gentil e educado e meus sentimentos primeiros por ele eram como os de uma filha para com um pai. Eu o respeitava e me sentia protegida. De cara percebiam que tínhamos algo em comum, a pinta no meio da testa (que mais tarde ele retirou por recomendação médica), coincidência que curiosamente causava certos incômodos para terceiros. 





Quem já trabalhou conhece bem o tipo: o chefe que se sente ameaçado e espalha intrigar por onde passa, jogando uns contra outros, envenenando tudo e todos para manter a sua posição, já que competência profissional não tem. Um desses, ou devo dizer uma dessas, foi a pior pessoa que passou pela minha vida. Pior ainda pelo tipo hipócrita/religiosa, que acende vela pros santos, mas faz as vezes do diabo. Materialista, mesquinha, era o tipo que espalhava o medo para garantir seus privilégios. Duvido que tenha mudado. Gente assim não costuma mudar. 





Sábado à noite. Minha mãe entra no meu quarto e diz “você sabia que o Dr. Farah morreu?”. Não, eu não sabia... A notícia fez vir à tona uma avalanche de sentimentos e recordações... A última vez que falei com ele foi há quatorze anos e me lembro de suas palavras. Ele me olhou com tristeza e disse “se você tivesse me contado isso antes, hoje não estaria indo embora”... Eu quis ir embora, pois ali estava sozinha, como tenho estado em todos os lugares... E eu não contei o que ele achava que devia, pois por tempo demais sobrepus o medo forjado pelo que diziam sobre ele aos meus instintos e todas as evidências... Acreditei no medo. Curiosamente também fizeram com que ele tivesse medo de mim. Naquele dia, para falar comigo, ele mandou chamar seu seguranças, como se temesse que eu o atacasse... Uns dois anos mais tarde ele teve sobre a mesa um trabalho meu sobre torcidas organizadas, pesquisado e escrito por mim, dos quais colocou em prática várias sugestões, mas que nunca soube que tinha vindo de mim, afinal, quem paga é que passa pela porta e leva o nome... E o mundo é esse baile de máscaras onde a gente nunca sabe quem está perto, quem está longe.





E dali por diante eu me tornei alguém capaz de cercar quem fosse importante para mim de todas as formas, até deixá-lo sem saída e me dizer até o que eu não quero ouvir. É minha maneira de tirar o véu das ilusões de todas as coisas. Não aceito me enganar com outros; não aceito me enganar comigo mesma. Nem que isso me estraçalhe, não me atenho a ilusões. E que eu viva o que é, não o que parece ser. 





Neste mundo de jogos de poder é muito difícil saber quem é quem, quais as próprias motivações e dos outros. Quase impossível encontrar aquele em quem se pode confiar em qualquer circunstância. Sempre procurei por aqueles a quem eu confiaria minha vida sem pensar duas vezes. Sempre procurei pelos “meus”. E acho, realmente, que nunca vou saber se encontrei um único apesar de fazer o possível para ter a tal certeza. 





A notícia da sua morte me pegou de surpresa, me fez pensar que era uma pessoa que muitas vezes eu quis reencontrar longe de todo aquele circo, simplesmente pra jogar conversa fora e conhecer o homem por traz da lenda de lobo-mau... Mais aí o tempo passa, a gente se atrapalha com tantos afazeres dia após dia e não percebe que o tempo está passando; não se lembra de que não somos eternos e cada instante é um momento perdido que não volta nunca mais... E quando vê, o tempo acabou... No fim, ficou a impressão de que tive muito mais em comum com este homem/tubarão do que com noventa por cento das pessoas que passaram pela minha vida. Somos do tipo, que de um jeito ou de outro, grita pelo que acredita, nos amem ou nos odeiem.



Meu carinho, em memória.

Que ele descanse em paz!


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Ex-presidente da FPF, Eduardo José Farah, morre aos 80 anos em São Paulo.





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