Não sei escrever sobre música. Na verdade, ela me intimida, faz com que eu me sinta uma incompetente, de uma incapacidade insuperável diante do inexprimível… Acho, mesmo, que a música é uma coisa majestosa e algo para o qual eu não quero ter explicações, porque decifrá-la integralmente seria desnudar o perfeito tirando-lhe o encanto à medida que se descobre seus segredos. Um sacrilégio!
Não houve uma época em que ela não estivesse presente na minha vida. Da vitrolinha ao radinho de pilha quando criança, me lembro dos sucessos populares dos anos 70. Abba, Nazareth, Suzy Quatro, Elvis Presley, Genesis, Beatles, John Lennon, tantos outros… O vínculo definitivo entre eu e ela se firmou na adolescência, nos anos 80, época em que a New Wave of British Heavy Metal chegava ao Brasil. Mas, não só o Heavy Metal ganhou minha adesão. Vários estilos se desenvolveram naqueles anos, como o Hard Rock, o New Romantic, o Tecnopop… A música clássica também me ganhou na época. Ouvi muito Mozart, principalmente… E para a menina solitária que eu era, a música se tornou uma companheira constante, veículo de autoafirmação e principalmente experiência transcendental. Ela me tirava do chão, fazia flutuar em ondas e ritmos, subir no ar ou mergulhar em notas graves e agudas. Da mais feroz alegria para a mais profunda melancolia o caminho era o de um refrão, o de uma ponte, sempre curto e sempre intenso, dramático ou alegre, enfático.
É verdade que o meu fascínio pela música começou pela leitura. Na época, circulavam revistas especializadas e fui cativada pelas palavras de certos críticos brasileiros. Me lembro das edições especiais da revista Som Três dedicadas a David Bowie e ao Kiss… Ana Maria Bahiana, José Emilio Rondeau escreviam para elas. E como escreviam! Tão bem que despertaram minha admiração pela escrita e curiosidade pela música. André Forrastieri também foi uma grande referência na época. Deste último me lembro em especial do entusiasmo com o Prodigy e seu Fast The Land, o álbum… Essa turma, de início, contribuiu para que eu procurasse algo mais na música do que mero entretenimento, ao mesmo tempo em que despertou meu desejo por escrever tão bem quanto eles, com conhecimento e capacidade de análise crítica.
Por essas coisas da vida, adquirir cultura geral, ler, escrever e ouvir música acabaram se tornando coisas divergentes no meu dia a dia. Nunca consegui juntar trabalho e estudo com música. Não conseguia estudar ou escrever ouvindo música. E ela, a música, acabava saindo de foco periodicamente… E se tornou rotina: sem ela eu me afastava de mim e me perdia; com ela eu voltava para mim, me encontrava, me fortalecia… Até me afastar e me perder novamente. E é assim até hoje.
Com o passar do tempo, achei que faria como as “pessoas cultas” deste país e passaria a ouvir MPB. Mas, não. Cada vez mais me perdi e precisei me reconectar, efeito que não podia ser conseguido com escolhas racionais. Sempre foi uma relação emocional, afetiva. Se o tempo me trouxe muitas decepções, muitos momentos de choque e consequente letargia a música precisava ser aquela que fizesse efeito, que conseguisse encaminhar a reconexão e o despertar. Na última década precisei de barulho, velocidade, trevas, violência, até mesmo brutalidade. Para despertar, sair do vazio… Era o tempo Metal extremo, o Trash, o Black, o Death Metal... Assim, aprendi a encontrar beleza formal nas camadas de nuances sonoras sombrias, porque mesmo nas trevas há movimento, transformação, menos ou mais brilho, possibilidades que se revelavam sob luzes tênues, mas que são vida cega e faminta na escuridão apesar de tudo...
O falecimento de Alexi Laiho meio que jogou um balde de água fria nessa minha via de transcendência. Alexi se entregou demais, perdeu o controle de si e o rumo, pegou um atalho e se perdeu para sempre… Por outro lado, a aproximação do Heavy Metal com os movimentos políticos de direita congelou a minha relação com este estilo. Há algo nessa associação que me fez repensar. Como eu posso gostar de algo que essas pessoas de extrema direita gostam? O que eu devia ter percebido e não o fiz? Surgiu um ranço difícil de superar. Entrei em suspenção do juizo para reavaliação.
E em meio ao meu recesso surgiu o k-pop, pelo motivo mais errado…
Depois de quase um ano, meu parecer sobre o k-pop: é muito fácil encontrar grupos com rapazes e garotas de aparência perfeita para os padrões vigentes. São lindos, de fato! Geralmente são bons/boas cantores(as) e excelentes dançarinos(as), carismáticos(as) e atores competentes. E como não, se foram exaustivamente adestrados(as)? A palavra é essa, mesmo, adestrados(as), apesar de forte… Sob rígidos contratos, eles fazem minuciosamente o que empresários determinam, até em suas vidas pessoais… As coreografia normalmente vão do adequado ao encantador, muitas vezes são ousadas, com efeito sempre hipnótico… Porém, o que não é tão fácil de encontrar são boas músicas. Há ótimas músicas, claro! Porém, também há produções ruins... Oras, tudo vende neste mundo, não?
Em algumas produções de k-pop encontro o “efeito transcendental”, sim! Ouvi tudo o que o Astro lançou (acho) e gosto da maior parte. Monsta X e Ateez são muito bons! Já as garotas com raras exceções, parecem pin-up que seguem decretos sobre como se comportar nos mínimos gestos, muito mais do que os rapazes. Do que ouvi até o momento gosto apenas do DreamCatcher e de algumas coisas do Blackpink.
Mas, este é um longo assunto… Eu quis escrever neste momento, apenas porque tenho sido crítica comigo mesma quanto ao meu próprio envolvimento com o k-pop… Estou bem atenta à dimensão fantasiosa que ele estimula e isso está me fazendo pensar no valor da fantasia, a qual se adere conscientemente numa realidade turbulenta como a atual...
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