Verdade! Eu não acredito em mim mesma e por isso não "me dou bem"... Quando escrevi o texto sobre Mark Fisher não foi meramente por simpatizar com uma teoria, e sim porque eu vivo isso. [Aliás, eu nunca escrevo meramente por simpatia a teorias]
Li uma reportagem sobre uma encadernadora que está cobrando três mil reais por uma única encadernação. Ela diz que teve muita dificuldade para acreditar no valor do próprio trabalho. Sei bem como é isso e, no meu caso, tem antecedentes... Quando criança, ouvia da minha mãe que meu pai gostaria de ter tido um filho homem e que eu não servi para "segurar o meu pai em casa". Ou seja, ter nascido mulher já teria sido uma inconveniência. Ser quem eu era me tornava indigna de conquistar afeto e dedicação... As lembranças que eu tenho da minha infância são de uma criança solitária que desenhava figuras humanas, as recortava e brincava sozinha com elas... Mais tarde, passei a escrever textos autorais e era criticada pela minha mãe (que nunca leu nada do que eu escrevia ou escrevo), porque eu passava os dias "copiando textos de um papel para outro", nas palavras dela. Só hoje eu disse para ela que eu não "copiava textos de um papel para outro" e sim que existem infinitas formas de se expressar uma ideia, e eu escrevia e reescrevia, aperfeiçoando os textos para que eles ficassem cada vez melhores. O que fez com que eu levasse décadas para explicar isso a ela? Ela nunca perguntou... Ela desmereceu o que eu fazia e me fez desmerecer também. Eu poderia ter me tornado uma escritora ainda muito jovem, poderia ter desenvolvido um estilo próprio. Ninguém acreditou no meu potencial, nem eu.
Mas, escrever é da minha natureza mais essencial. Aos trancos e barrancos, continuei, mesmo me achando inferior... Há poucos anos, quando publiquei minha dissertação sobre transumanismo como livro impresso, achei que meus amigos, ou "conhecidos", se interessariam. Notei que alguns me olharam disfarçadamente com ares de "olha, que pretenciosa, ela achando que pode publicar livro!"... Como seu eu não tivesse estudado a vida inteira para isso! Resultado: desanimei e retirei o livro de circulação. Quem lê meus textos são os desconhecidos. Eu eu não faço nada para aumentar o número deles, porque continuo não acreditando em mim o suficiente.
Falo muito sobre ter sido devalorizada ao longo da vida e, pior, ter acreditado nisso inconscientemente, em sessões de análise... Falo muito sobre a relação com a minha mãe, mas não porque eu a culpo. Eu a entendo. Ela, como eu, é criação de uma sociabilidade deturpada, que talvez nem possa ser diferente... As coisas são como são e é preciso aprender a lidar com elas... Falar sobre isso não se trata de vitimizar a ela ou a mim. Trata-se de falar de um processo de tomada de consciência e de busca por autosuperação.
A minha vida toda é um desafio ao amor próprio frente aos pré-julgamentos inadequados de outros. Eu tanto ouvi, direta ou indiretamente, que não sou capaz, que não sou merecedora, que outros merecem mais do que eu, atenção, afeto, oportunidades, etc, etc... Que eu acreditei, mesmo sem perceber! E sim, hoje tenho conhecimentos para desenvolver muitas coisas, mas continuo tentando desatar os nós que me prendem.
Conheço várias encadernadoras com trabalhos deslumbrantes! Inclusive algumas que produzem o próprio papel artesanalmente. Na Europa, com sua tradição de cultura literária, há encontros de artesãos para trocas de informações e vendas a colecionadores. A cultura do livo impresso, aliada às artes plásticas, permanece forte e estimulante... Na foto, projeto desenvolvido pela Julien Auzillon, artista francesa. Ela trabalha com edições limitadas sob encomenda. Do papel aos desenhos ela faz tudo artesanalmente. Um primor!
No fim das contas, é tudo sobre conseguir ocupar-se e viver do que trás realização pessoal e paz.
Imagem: https://www.instagram.com/p/CllhkALoQBj/?img_index=1