Há não muito tempo, Leandro Karnal entrevistou Scarlett Marton, professora estudiosa da obra de Friedrich Nietzsche. Questiona se, vivendo nos dias de hoje, o filósofo alemão seria um usuário dos meios digitais de comunicação, incluindo redes sociais, Marton respondeu que sim, Nietzsche certamente estaria fazendo uso de tudo o que está disponível e seria muito atuante.
Concordo com a professora. Sem dúvida, Nietzsche seria um usuário pleno dos recursos digitais! Mas, a pergunta que tenho colocado para mim é: COMO?
Nietzsche, sendo Nietzsche, seria um homem de seu tempo, mas contra seu tempo, como tão bem escreveu Marton em um de seus estudos. Para ele, provavelmente seria tempo de reconhecer que aquela sua antiga previsão “claustros serão novamente necessários” se encontra concretizada hoje. Ou seja, é tempo de recolher-se, sair do mundo para colocar-se em um espaço-tempo que permita preservar a memória cultural enquanto se cria novos modos de perceber, pensar, comportar-se, criar e de transformar a realidade. Isso se traduz em não se permitir ceder ao apelo de se deixar arrastar por algoritmos tendenciosos e não se perder em meio ao excesso de informações, em sua grande parte superficial e dispensável.
Nietzsche foi um crítico feroz da vulgarização da cultura pela indústria voltada para a lucratividade em detrimento de outros valores, quando a mídia apenas dava seus primeiros passos. Certamente, hoje, Nietzsche, sendo Nietzsche, estaria empenhado em resistir, criando modos alternativos de usar a tecnologia, não sendo usado por aqueles que a produzem e controlam, ou, pelo menos, minimizando o uso de si, tanto quanto possível.
O filósofo teria os conhecimentos de um hacker? Seria um conhecedor das linguagens e técnicas de programação de computadores? Usaria softwares livres? Talvez… Certamente seria um entusiasta dos editores de texto e das ferramentas de compartilhamento de arquivos. Procuraria pelos benefícios da impressão e da publicação sob demanda; usaria as redes para divulgar seu pensamento e seus escritos. E teria percebido que o digital não anula, necessariamente, a potência do impresso e do analógico, pois há dimensões afetivas a serem consideradas. E ele faria uso das ferramentas para financiamento coletivo? Sem fazer barganhas quanto à sua liberdade criativa, por quê não?
E Nietzsche seria um observador das artes digitais! Provavelmente seria um músico amador, explorador das possibilidades de criação, edição, produção e divulgação via softwares de áudio e vídeo e plataformas de podcasts e streaming. Produziria documentários e vídeo-aulas? Talvez… O que ele não faria é tornar-se escravo do ritmo adotado pelos youtubers, ou por seus modos nada éticos de conquistar e prender a atenção do público por meio de intrigas e retórica vazia. Para ele não valeria tudo para conquistar visualizações e curtidas, até porque ele não esperaria que seu pensamento pudesse ser compreendido por todos ou, dito de outra forma, que qualquer um estaria disposto a esforçar-se para entendê-lo. E não imagino Nietzsche empenhando seu tempo e atenção às falácias de políticos corruptos, incultos, mau intencionados e àqueles que lhes dá apoio. Todos decadentes!
Nietzsche procuraria alcançar seus interlocutores privilegiados. Não as massas, mas aqueles propensos a tomar sua filosofia como ponto de partida para a criação do novo e sempre superior, em oposição ao decadente, tornando e mantendo o conhecimento como “o mais potente dos afetos”.
Claro que escrevo meras especulações... Afinal, a existência de alguém como Nietzsche hoje, talvez, sequer seja possível... Talvez...