Paul Williams e Philip K. Dick: o primeiro crítico do rock, o último escritor de ficção científica, unidos para sempre
De: Andre Forastieri
Fonte: http://noticias.r7.com/blogs/andre-forastieri/2013/04/08/paul-williams-e-philip-k-dick-o-primeiro-critico-do-rock-o-ultimo-escritor-de-ficcao-cientifica-unidos-para-sempre/
Philip K. Dick e Paul Williams, com o filho de Phil no colo
Paul Williams nos deixa cedo. Era hora. Tinha 64 anos e sofria de Alzheimer. A demência começou a se manifestar em 1995, após um acidente de bicicleta. Já não tinha consciência de nada. Dependia totalmente dos cuidados da família, e da bondade de estranhos, que pingavam contribuições para pagar as contas altas da invalidez. Vivia em uma casa de repouso. Williams inventou o jornalismo rock'n'roll quando estava na faculdade. Tinha 17 anos quando criou a revista Crawdaddy, a primeira a trazer artigos que iam além da fofoca, ou da idolatria dos fãs. Foi em 1966, outro dia mesmo. Incrível pensar que no auge dos Beatles, não tinha ninguém escrevendo sobre eles a sério.
Williams foi tão inventor do rock quanto Elvis ou quem você quiser. Antes dele, e de alguns outros de sua geração, rock era música pra curtir, dançar, namorar. Depois foi o sangue nas veias de uma geração, energia vital, impoluta, revolucionária. Isso não se faz no palco ou no estúdio, não só. É obra intelectual, engajada, contundente - jornalística. Williams não tirou a ideia do éter. Antes de ser fã de rock, já era fã de ficção científica, e fazia fanzines de FC. Trinta anos antes dele, outros garotos tinham começado a usar o ferramental do jornalismo e da crítica no trato com outro subproduto-lixo da cultura de massa, a ficção científica. Foi o primeiro fandom, o primeiro grupo organizado de fãs. Criaram os primeiros fanzines, onde discutiam viagens no tempo e civilizações galáticas, e também influências literárias e ambição estética. Nos primeiros anos 60, fatia importante dessa primeira geração de fãs se convertera na elite de grandes mestres da FC, autores e editores - Isaac Asimov e Ray Bradbury entre eles.
A Crawdaddy era uma revistinha mimeografada. Williams a vendeu dois anos depois para ser só um escritor e maluco profissional. A esta altura já lançara nomes com Jon Landau, Richard Metzger, Peter Guralnick e Sandy Pearlman - googla aí que compensa. Um garoto chamado Jann Wenner se inspirou na Crawdaddy. Pediu conselhos a Williams para fundar sua própria revista, a Rolling Stone, que levou a fama de revista fundadora da crítica de rock. Wenner é melhor empresário. Williams foi pioneiro e lançador, e também escreveu muito bem sobre rock, e nunca sobre música, mas sobre o seu sentido, alcance, poder, significado. Reportou com inteligência e afeto a transmutação do rock em algo mais, quando Beatles e Beach Boys buscaram a transcendência, e Bob Dylan e Neil Young e outros forçaram o rock pra fora da adolescência. Bateu palmas na gravação de Give Peace a Chance, e chegou a Woodstock no helicóptero do Grateful Dead - quer mais?
E por isso tudo, e pela influência em muitos outros jornalistas e críticos que vieram depois, ele teria tranquilo seu lugar na história. Mas ele nunca abandonou seu amor pela ficção científica, que se transmutou em relacionamento único com Philip K. Dick. Faz todo sentido. Dick foi o último escritor de ficção científica. Depois dele, o futuro chegou atropelando. Os autores importantes da geração seguinte não são visionários, são cronistas - William Gibson, Bruce Sterling, Neal Stephenson... e os novíssimos, mais ainda. Williams apresentou Dick às massas roqueiras, em uma reportagem de 1975 da Rolling Stone. Tornaram-se amigos. Com a morte de Dick, Williams capitaneou por dez anos a Philip K. Dick Society, e foi um de seus primeiros biógrafos, e responsável legal por seu legado literário. Garantiu a publicação de muito material inédito do escritor. Foi fundamental para tornar Dick mais visível e relevante para a nova geração, e mesmo a nova crítica.
Dick intuiu como ninguém o poço que se cavava entre os com e os sem. Previu que o abismo não era delimitado só por posses, mas pela possibilidade de integração com a máquina, e pela própria percepção da realidade. Sabia que nesse caminho nos aguardava a nova normalidade, que é onde vivemos hoje. Dick era filho dos anos 50, mas foi na contracultura do rock e das drogas que se tornou PKD, a lenda, e base para tantos filmes-chave das últimas décadas - Blade Runner, Total Recall, Minority Report... Natural que Williams tenha sido seu grande campeão. Nunca achou que rock era sobre solos de guitarra, ou ficção científica sobre lasers e robôs. Apropriado e insano que Williams termine a vida perdido em um labirinto de sua própria criação. Mas não isolado - a mulher de Paul, Cindy Lee, conta a história no seu blog, terno e lancinante. Leia as despedidas de Brian Williams, Lenny Kaye e outros luminares. Veja antigas e novas fotos de Paul. Saiba que ele morreu cercado por suas famílias. Sinta o coração apertar, e derreter. Veja aqui.
Paul foi o primeiro crítico de rock, Phil o último escritor de ficção científica. Depois as duas funções se tornaram obsoletas, porque o espírito revolucionário do rock deixou a música e entrou na tecnologia. Sem Williams, o rock não teria se tornado o que se tornou, ou pelo menos não naquele momento e daquele jeito, e o mundo não teria conhecido Philip K. Dick, ou pelo menos sua obra não teria sido influente como foi. E portanto o mundo não seria como é, e eu não seria como sou, e não pensaria o que penso e não faria o que faço. Obrigado, amigos. Vai com VALIS, Paul.
Fonte: http://noticias.r7.com/blogs/andre-forastieri/2013/04/08/paul-williams-e-philip-k-dick-o-primeiro-critico-do-rock-o-ultimo-escritor-de-ficcao-cientifica-unidos-para-sempre/