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Ciência para quê? Produtividade para quem?







Para compreender o mundo atual, é preciso sobrevoar as pesquisas e os planos para o futuro financiados pelas grandes corporações e desenvolvidos pela ciência de ponta. É
preciso olhar para a NASA, para a indústria armamentista, para o CERN, 
para os grandes centros de pesquisa nacionais e internacionais...
Pessoalmente, não sou contra à evolução científica. Claro que não! Sou
contra é que poucos decidam os destinos da humanidade, de acordo com
seus próprios interesses.
Quando a filosofia faz críticas à ciência se tem em mente um tipo de conhecimento técnico que foca apenas o próprio horizonte, perdendo de vista a dimensão da totalidade. Portanto, que o povo tenha compreensão dos processos
científicos e esteja em condições de tomar decisões é urgente!





Abaixo trechos da Revista Fapesp, de Maio de 2008, pp 75-77. Antiga, porém atual. Os grifos são meus. 







Um pouco antes do século passado se encerrar, em 1999, grupos de pesquisadores começaram q se reunir nos Estados Unidos para estudar de modo interdisplinar as interações entre os sistemas vivos e artificiais, com o objetivo declarado de desenhar dispositivos que permitissem expandir ou melhorar as capacidades cognitivas e comunicativas, a saúde e a capacidade física do homem e, assim, produzir, em tese, um maior bem social. Esses estudos deram origem ao que foi batizado de tecnologia convergente, pesquisadas hoje em profundidade na Europa, nos Estados Unidos, na Austrália e no Japão.







No Brasil, o tema começou a ser discutido, em grande parte, devido ao neurocientista Esper Abrão Cavalheiro, pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), ex-presidente do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico (CNPq) e atual [2008] assessor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), uma organização social vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Na agenda cultural da exposição Revolução Genômica, Cavalheiro expôs o tema "Tecnologias Convergentes e a Construção do Novo Homem". Seu objetivo é fazer o Brasil se integrar ao debate internacional e criar grupos de estudo. "Nos dois maiores documentos já redigidos sobre o assunto, o norte-americano e o europeu, há capítulos específicos discutindo as convergências para o Terceiro Mundo", diz. "Eles debateram o que poderia ser apropriado para nós nessas áreas sem a participação de pesquisadores do mundo em desenvolvimento".





As tecnologias convergentes são a reunião de quatro áreas da ciência e tecnologia. [...] A proposta é que caminhem entrelaçadas para contribuir com o aprimoramento do ser humano. São elas: nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia da informação (TI) e neurociência (ou ciências cognitivas)


[...]


O que se quer agora é a união das quatro para além da simples multidisciplinariedade. "Mais recentemente uma quinta linha se uniu às outras quatro - trata-se da biologia sintética, a capacidade de modificar um gene por meio da engenharia genética". 


[...]


Sobre a expansão da cognição e da comunicação humana, por exemplo, o mais importante é criar um programa que permita entender a mente humana. "Depois devemos desenvolver dispositivos para uma interface entre o cérebro e a máquina que permita aprimorar a mente ou levar informações muito mais rápidas para ela, enriquecer a comunidade por meio de tecnologia mais humanizada e aprender a aperfeiçoar instrumentos que facilitem a criatividade.


[...]


Na parte do aprimoramento das relações sociais, Cavalheiro acha que seria fantástico se a barreira da comunicação pudesse ser rompida com cada um falando uma língua diferente e todos se entendendo graças a chips instalados na pessoas que funcionassem como tradutor. Haveria um óbvio aumento da eficiência e cooperação dos ambientes educacionais. "O que é importante e está presente nos documentos dos Estados Unidos, da Europa, da Austrália e do Japão é a palavra 'produtividade'", ressalta. "Isso significa seres humanos mais eficientes e produtivos".


[...]


"Na verdade, a única coisa que eu me recusaria a trocar é o cérebro, porque o cérebro sou eu", avalia. Vale receber coração, braço, perna, fígado, tudo quanto estiver ruim, mas o cérebro é a identidade de cada um". [observação minha:  a "identidade" de alguém que perdesse "coração, braço, perna, fígado e tudo o que estivesse ruim" continuaria a mesma? ...]


[...]


Nem tudo, no entanto, traz apenas benefícios pessoais para o "novo homem". Os avanços na neuroimagem são enormes e, a partir dos estudos que verificam quais são as áreas ligadas à emoção e à tomada de decisão, há toda uma indústria por trás. Como é que se pode influenciar a tal "tomada de decisão" a partir de estímulos adequados aplicados na área da emoção? "As bolsas de valores norte-americanas calculam que esse mercado, isto é, a possibilidade de influenciar mais diretamente as escolhas 'comerciais' das pessoas pode gerar US$ 1 trilhão por ano", informa Cavalheiro. A pergunta que se faz é quem tem o direito de usar informações como essa sem que as pessoas saibam?


[...]


"Se existirem instrumentos e drogas que façam aprender melhor e mais rápido quem irá decidir em quais indivíduos e em que condições eles poderão aplicados? [sic.] Esse é um novo problema que surge."


[...]


Para Cavalheiro será necessário um acordo ético e social: é preciso que a sociedade decida o que poderá ser feito e usado pelo "novo homem".




Foto: Blade Runne, o filme.