O ano era 1983. Há semanas estou tentando me lembrar de como cheguei lá pela primeira vez. Foi por acaso, por indicação de alguém? Não me lembro... Era uma loja de discos muito especial, que ficava numa galeria da Rua José Bonifácio, esquina com o Largo São Francisco. Eu a encontrei poucos dias antes de sua mudança para a Rua Dr. Falcão, esquina com o Largo do Anhangabaú, onde está até hoje, embora sem um milésimo da “magia” e da importância que teve na década de 80. Foi naquele primeiro dia, numa manhã de sábado, que começou uma aventura que marcaria a minha personalidade para sempre.
No início dos anos 80 a indústria cultural era sacudida por um movimento que começou na Inglaterra e se espalhou pelo mundo, a New Wave of British Heavy Metal. Surgido em fins da década de 60, com o Black Sabbath, o estilo de rock pesado com guitarras distorcidas, ganhava um novo fôlego com bandas inglesas como Saxon, Samson, Iron Maiden e Def Leppard. Na época, um Brasil recém saído do regime militar, tinha na música vinda de fora uma forma de rebeldia, resistência e diversão. Não foram poucos os jovens que se encantaram com aquela música, que passaram a se vestir de preto, cultivar longas cabeleiras e dedicar seu tempo à música como a uma religião. Com o Rock n Rio, em sua primeira edição, aquela turma ganhou projeção e ficou conhecida como os Metaleiros. Eu estava entre eles, e como a gente odiava o tal “Metaleiros” daquela mídia “desinformada e burra”, que pouco ou nada compreendia de um movimento cultural. Não, não é de hoje a minha má disposição com a mídia.

Após a mudança para a Dr. Falcão os sábados de manhã tornaram-se lendários. A turma se reunia para assistir vídeos, trocar materiais e informações ou simplesmente para papear e jogar conversa fora. Eu já trabalhava no centro da cidade, mas não tinha problemas em levantar cedo também nos sábado e ir pra lá. Por um bom período eu frequentei os sábados de manhã da Woodstock. A adolescente tímida que eu era começou a encontrar-se no mundo ali. Foi ali que me tornei a pessoa idealista que sou, foi ali que encontrei quem acabou por me conduzir ao mundo da Filosofia, foi ali que a minha vida realmente começou, sempre com música de fundo, mesmo estando distante de lá.

E me lembro de quando o Heavy Metal começou a se esfacelar em dezenas de tendência. Trash, death, power, speed, black, melodic, etc, etc. Me lembro de quando surgiu Metallica e o impacto que causou, de quando surgiram Anthrax, Exodus, Slayer, Venom, as bandas nórdicas... E havia o nascimento da cena brasileira com Vírus, Salário Mínimo, Centúrias, Santuário, Vulcano, Sarcófago, Platina, Viper, Sepultura, tantas outras... E havia a Praça do Rock no Parque da Aclimação, local onde as bandas se apresentavam nos últimos domingos do mês... A Praça ainda existe, embora meio morta (a última vez que passei por lá, há uns dois anos, o lago central havia secado, literalmente)... Tenho pensado muito naquela época, em como acabou, no que veio depois... O sistema engole tudo e o tempo engole a gente... Adolescentes ingênuos não tem ideia do que seja indústria cultural e de como todas as coisas sucumbem... O ambiente por aqui não escureceu por acaso.
"Rock bands will come, rock bands will go, but Rock'n'Roll is going to go on forever." - Ray Davies -The Kinks - Woodstock Discos http://www.woodstock.com.br/