No início de 2020, eu vivia a expectativa da finalização do meu Mestrado em Filosofia. Dissertação concluída, banca definida, evento marcado. Aconteceria em fins de fevereiro, no Campus São Bernado da UFABC. E veio a pandemia... Primeiro a defesa foi transferida para um dos auditórios do campus Santo André, com espaço amplo para favorecer o distanciamento entre os presentes. Depois a defesa foi cancelada. A universidade prorrogou todos os prazos de qualificação e defesa em 90 dias, e os campus de tornaram área de acesso restrito. Todas as atividades administrativas, e mais tarde também as pedagógicas, passaram a acontecer a partir de home office, a distância.
Diante de uma crise de saúde tão séria e providências tão drásticas, mais do que depressa a UFABC colocou todo seu corpo docente, dissente e administrativo debaixo das asas. E com essa sensação de estar protegido, tanto quanto possível naquele momento, os professores idealizaram projetos relacionados ao enfrentamento da pandemia. Na UFABC, assim como todas as universidades federais do país, professores e aluno passaram a se organizar para executar ações relacionadas à pandemia, com objetivos variados, tais como a produção de equipamentos de proteção individual, o desenvolvimento de equipamentos hospitalares, de simuladores de dispersão de epidemia, de cartografia de ocorrência de casos, etc.
Naquele momento, pensei que se eu tinha a opção de permanecer na universidade por mais alguns meses eu deveria fazer isso. Me inserindo em algum dos projetos eu poderia ajudar no que me fosse possível, viveria uma experiência acadêmica importante e me sentiria melhor fazendo parte de algo. Me inscrevi para tomar parte no projeto chamado "Plataforma das Práticas Colaborativas de Combate à Covid-19 e das Redes de Solidariedade", ou simplesmente "Mapa Colaborativo". Passei por um processo seletivo, fui aprovada e me tornei parte de uma equipe de pesquisadores que tinham por objetivo identificar, cadastrar e mapear iniciativas da sociedade civil de apoio aos fragilizados pela pandemia. A ideia era disponibilizar informações úteis tanto para aqueles que precisavam da ajuda que as iniciativas estavam oferendo quando fazer um levantamento histórico documental. Minha função principal era entrevistar lideranças dessas iniciativas e foi isso o que eu fiz até setembro de 2020. No fim, tínhamos mais de 2000 iniciativas cadastradas e dezenas de entrevistas.
Minha defesa de Mestrado acabou acontecendo em agosto daquele ano, pois mantive o vínculo por todo o tempo que me foi permitido, justamente com a intenção de continuar pesquisando com a equipe do Mapa Colaborativo. Me senti em casa, à vontade em uma equipe de pesquisa coordenada por Cientistas Sociais. Isso não chegou exatamente a me surpreender, já que meu primeiro foco de dedicação na graduação foi a Filosofia da Sociedade e questões contemporâneas.
Tanto me senti realmente acolhida naquele grupo que agora, em 2021, volto a me reunir com aqueles professores coordenadores do Mapa Colaborativo para dar continuidade à pesquisa e, também para desenvolver meu projeto de Doutorado em Ciências Humanas e Sociais. Então, no Doutorado poderei unir os meus interesses em Comunicação, com Filosofia Contemporânea e da Sociedade e Transumanismo, tema do meu Mestrado, e mais o que eu quiser/puder estudar como disciplina optativa. Muito estudo de caso e metodologia qualitativa! Não penso em me ausentar do Brasil por longo período, como é comum em fase de doutoramento, mas de São Paulo, sim. Cursar disciplinas em diferentes universidades federais é um sonho! Talvez participar de um ou outro evento no exterior... Talvez!
Verdade que parte de mim ainda se mantém presa à academia de Filosofia, a parte chamada metaforicamente de "coração".... Mas também é verdade que eu jamais me senti feliz na academia de Filosofia. Eu queria aprender a ser filósofa e a fazer Filosofia, mas as aulas sempre foram sobre História do Pensamento. O pressuposto de que se aprende a filosofar estudando teorias clássicas me parece por demais tortuoso... E eu acho que também a Filosofia está passado por uma crise.
Principalmente no Brasil, a Filosofia se encontra diante do dilema de insistir arrogantemente em seu direito de existir por existir, ou descer do pedestal em que se colocou e justificar, para a sociedade, a sua importância tornando-se práxis... Curiosamente, a academia de Filosofia, pelo menos em boa parte, não sabe qual o papel que lhe cabe neste ainda início de século e ou como exercê-lo. Há uma confusão entre o estudar História da Filosofia (linha defendida pelos "tradicionalistas") e fazer Filosofia para a atualidade (linha adotada pelos "progressistas", vamos dizer assim). Eu tive a "sorte" de contar como uma orientadora de Mestrado que não se furtava a lidar com o agora. Porém, além de filósofa ela é, também, uma cientista da área de Exatas!
Sim, a tradição filosófica é importantíssima! Mas, a meu ver não se pode fazer Filosofia para hoje e para o futuro ignorando o desenvolvimento científico e tecnológico, sem os quais não se compreende o hoje e muito menos se pode planejar o futuro. E se a questão é abarcar a ciência e a tecnologia, fatalmente isso inclui os métodos científicos. Curiosamente, em certos ambientes filosóficos, mencionar estudos de caso e metodologias empíricas significa ser uma estranha no ninho. Simples assim! Faz de conta que tudo pode ser resolvido por pesquisa bibliográfica, interpretação de teorias de filósofos clássicos e pela imaginação... Bem, eu não quero me limitar ao "faz de conta".
Por outro lado, não sei se a autodidata que eu sou ainda vai conseguir permanecer por mais 4, 5 anos assistindo aulas, cumprindo prazos e exigências institucionais. Certamente não, de jeito nenhum, sem recursos institucionais... O Brasil de hoje está longe de favorecer a formação de pesquisadores de nível internacional, pois não os valoriza, não oferece condições de dedicação em tempo integral. Sinto que eu teria aproveitado muito mais o meu período de Mestrado, se tivesse contado com uma bolsa integral, claro. O futuro do ensino de pós-graduação no Brasil obscurantista de hoje é uma incógnita, por consequência assim também o meu futuro acadêmico.