Eu teria sido uma ótima madrasta... Jamais teria me colocado entre o homem que eu amasse e seus filhos, independentemente de quem fosse a mãe... Jamais teria permitido que aos filhos do homem que eu amasse faltassem atenção, carinho, apoio, amizade, companheirismo ou o que quer que fosse da parte do pai... Sei do que falo, então jamais teria permitido que lhes apertassem os pés os sapatos que apertaram os meus e do meu irmão...Falta de afeto adoece, não seria eu a contribuir para o adoecimento dos filhos do homem que eu amasse.
Digo isso porque ando às volta com um caso de adoecimento emocional na família... Não é pouca coisa! E tem história aí... Há indícios de que é necessário haver pré-disposição para que certas doenças se desenvolvam, e há indícios de que elas podem nunca se desenvolver se não surgirem as condições propícias... Não me sinto à vontade para entrar em detalhes a respeito... Não aqui. Não no momento.
Mas, me lembro bem das minhas aulas sobre Spinoza... O corpo registra tudo o que o afeta; ele se altera em consequência do que o atinge ou do que lhe falta. Os acontecimentos traumáticos não passam; não são superados com o tempo. Eles tomam parte na constituição dos corpos, o alteram para sempre. É preciso estar atento a eles, preveni-los incansavelmente, evitá-los e cuidar das vítimas.
Este é um mundo onde muito se fala de "cuidados", ao mesmo tempo em que se ignora as oportunidades do cuidar no dia-a-dia... Parece quase um destino manifesto da Humanidade, o de indivíduos que procuram colar a si mesmo a imagem ética da pessoa de altos valores e altas realizações, enquanto perde de vista, no cotidiano, os mínimos cuidados possíveis . É o empenhar-se em esforços grandiosos e dispendiosos para aparentar o que não corresponde à realidade. É vaidade, autoengano, ego.
O fato é que um amor não altera outro necessariamente. Amar uma mulher não impede um homem de amar os filhos que teve com outra, e vice-versa... Não é a manutenção ou não de um casamento que faz a diferença para uma criança, e sim o sentir-se amado, o saber-se seguro, é a proximidade emocional de quem se quer bem, o companheirismo, o apoio, a amizade. Ser pai não se restringe a colaborar para a fecundação e pagar despesas... Como disse o poeta, é preciso amar como se não houvesse amanhã, porque na verdade não há amanhãs o suficiente, e chega o dia em já é tarde demais.
(Texto que também estava entre os meus rascunhos e que coloco no visível hoje, fazendo a revisão, em 18.09.2023... Foi escrito no final de 2022, início de 2023.)