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Tranformações


Transição de gênero dói? Essa pergunta me surgiu como uma analogia à minha condição de fêmea sujeita às inconstâncias hormonais. Procurando me lembrar dos efeitos do início da puberdade, associando-os aos efeitos do início de menopausa, chego à conclusão: as transformações são fisicamente incômodas! Para algumas mulheres mais, para outras menos, mas sempre trazem em si aspectos incômodos, também emocionalmente e socialmente. Transições de gênero são transformações ainda mais radicais, ou não? 

Não posso falar pelos outro, pois não tenho a experiência de outros. Mas, gostaria de ouvir de transgêneros relatos sobre suas transformações, sobre como se sentiram no início da adolescência, da meia idade e ou da homossexualidade. 

Homens cis não falam de si publicamente. Ou raramente. E mulheres cis não falam de suas intimidades, ou quando falam frequentemente o fazem de modo velado, com floreios e disfarces cercados por muita ilusão. Menstruação, gestação, menopausa são palavras tabu, que gente educada ou não diz com todas as letras, ou, como no caso da “gestação”, colore em tons meigos... Daí, que como tabu, também os efeitos das passagens de gênero aparecem referidos ora em tons preconceituosos e ou degradantes, ora ocultos por preconceitos ou discursos prontos, formatados e reducionistas. Me parece importante essa ponte entre transformações “naturais” (de acordo com o senso comum), que acontecem em um corpo de homem e mulher, para entender que as transformações impulsionados pela homossexualidade também são de fato naturais.

Definitivamente, homossexualidade não é doença, como não o são puberdade, menopausa ou andropausa. Não basta ser doloroso, ou não, para que possa ser classificado como doença ou não. Puberdade dói, gestação e parto doem, menopausa dói, e nada disso é doença porque diz respeito às potencialidades naturais do corpo.

Para além de minhas próprias dores, também comecei a pensar nisso por causa do texto que recentemente foi publicado no jornal El Pais sobre o filme Matrix - ‘Matrix’, o clássico do cinema criado como uma metáfora trans, agora é uma arma da extrema direita. Consta que as irmãs Wachowski (que na década de 80 eram “os irmãos”), teriam tido Donna Haraway e seu Manifesto Ciborgue como inspiração. Essa associação me causou tal impacto, que fui espanar o pó do meu DVD para reassistir Matrix. Que, diga-se de passagem, é um tremendo filme, ainda melhor a cada ano e mais atual do que nunca! É evidente que Haraway se encaixa ali, perfeitamente! E não de modo tímido…

Matrix hoje me faz pensar que a homossexualidade, enquanto transformação de gênero em perspectiva de “sexualidade fluída”, como os estudiosos do tema vêm mencionando, pode ser entendida até como uma expressão superior de libertação dos dogmas que são impostos à sociedade. Entendimento esse que me ocorreu ao observar artistas como Johnny Hooker, Filipe Catto, Pabllo Vittar, Liniker, que são almas superiores, libertárias e iluminadas nesse mundo de trevas. E não é de admirar quantos artistas transgressores, homossexuais e geniais possam ser encontrados em uma busca pela História?! Goste ou não deles e do que eles fazem, o fato é que eles, decididamente, trilham o caminho da libertação absoluta de dogmatismos. É preciso ter coragem para isso, porque dói e dói muito, se não fisicamente (eu não sei e gostaria de ouvir deles) certamente emocionalmente, e disso, se sabe comumente, devido às pressões sociais e aos preconceitos obscurantistas que vêm impedindo que se aprenda mais sobre os corpos  e suas potencialidades.

Gostaria de conhecer respostas, ditas de forma simples e objetivas por quem vive essas questões no seu dia-a-dia. Por hora, a arte vem exercendo função reflexiva sobre mim, que há muito deixei de nutrir estima por binarismos de qualquer tipo.