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Apaixonar-se



Amar? Me apaixonei perdidamente por dois homens ao longo da vida. Um real, outro imaginário... O “homem real” cruzou o meu caminho em meados da década de 90. Eu funcionária de federação de futebol, ele diretor de um clube. Eu com vinte e poucos anos, ele bem mais velho. Quando o conheci, eu namorava outro, também do futebol, com quem poderia ter me casado. Meu namorado queria casar, eu sabia que não gostava dele para tanto, e surgiu um terceiro que definiu tudo. Optei pelo meu “homem real”.

Dizem que mulheres jovens gostam do dinheiro dos homens mais velhos. Eu gostava era das atenções de um homem maduro e bem resolvido. Gostava da segurança de estar com alguém que conhecia o mundo e as coisas do mundo muito melhor do que eu. Para mim, era de confiança e segurança que se tratava. Ninguém, em sã consciência, entrega corpo e alma sem ambas. Com o “homem real” eu teria passado toda a minha vida, se houvesse encontrado espaço suficiente para mim na vida dele. 

Dirigente de clube e empresário de jogador é ocupação de 24 horas por dia, 7 dias por semana. Quantas vezes eu esperei por ele enquanto ele estava em alguma reunião, ou algum aeroporto esperando ou acompanhando algum jogador que partia ou chegava! Bom era quando o time estava jogando em São Paulo, pois conseguíamos algum tempo para nós. Porém, por mais de um motivo era uma relação oculta, secreta, desconhecida por tudo e todos... Às vezes, amar alguém se torna inevitável. Amar na sombra é muito, muito difícil... Mas, abrir mão do amor próprio é uma escolha nunca recomendável. Sem espaço para expandir-se espontaneamente uma relação definha, pois quando não caminham juntos, às claras, os envolvidos distanciam-se. O distanciar-se é um processo doloroso ao qual eu aprendi a por um fim.

E por quê falar disso agora, depois de tanto tempo? Por algum motivo as lembranças passaram a me visitar com frequência. Tanto que procurei saber dele, se estava bem, como estava vivendo esse tempo de pandemia, se estava precisando de algo. Descobri que depois de alguns anos “aposentado” ele está retomando as atividades junto ao antigo clube. Com quase 70 anos, o que me deu muito o que pensar… A vida, muitas vezes, se assemelha a uma melodia que sempre retoma seu refrão. A gente sempre volta para o que nos é mais essencial, mais intrínseco.

Já a história com o “homem imaginário” provavelmente não teria acontecido se não tivesse havido o “homem real”. Pelo menos não teria acabado da mesma forma. Para resumir, tropecei em um colega de faculdade por quem senti uma antipatia imediata. Aconteceu que ele parecia estar em todos os lugares para onde eu me voltava, enquanto eu permanecia decidida a ignorá-lo. Até que sua imagem passou a aparecer também nos meus sonhos, os noturnos. Iniciando os estudos em Filosofia, eu estava em fase de me impressionar com tudo, procurar sentidos ocultos em tudo. As coincidências me intrigavam e se tornou um problema filosófico a ser discutido. Porém, a minha tentativa de problematizar filosoficamente as coincidências acabou sendo interpretada com uma “cantada”. Ora, uma mulher abordando um homem desconhecido, mesmo um colega de curso, no que mais ela poderia estar interessada que não fosse sexo, não é verdade?! (rs)

Filosofia à parte, o fato é que quando uma mulher que mantém trancado o seu baú de carências afetivas tropeça em um homem preconceituoso, mal resolvido e um tanto paranoico é difícil dar em boa coisa. E, de fato, não deu! As faltas de um acabaram por despertar e superlativar as faltas do outro e vice-versa. Essa é a minha explicação mais sincera para o que houve... Acabei imaginando que havia ali um estudante de filosofia com um futuro promissor na área, que seria um bom companheiro para uma boa vida filosófica. Imaginei e me apaixonei pelo imaginado! E demorei a me dar conta, claro. E isso me deu muito o que pensar por bons anos. Afinal por quê a gente se engana? Ninguém me enganou, fui eu mesma que não vi o óbvio. 

De qualquer forma, ao invés de problematizar as coincidências, àquela altura da vida me caía melhor repassar a minha própria história e as barcas furadas em que eu entrei... Afinal, quanto àquelas não há respostas satisfatórias; quanto às minhas escolhas, muito posso evoluir ao melhor compreendê-las.

O “homem real” e o “homem imaginário”, embora tão diferentes entre si, tinham algo em comum: nenhum dos dois me enxergou, a mim, o ser humano. O primeiro nunca entendeu o quanto era importante para mim, apesar de todas as evidências... O segundo não fez mais do que projetar em mim os seus preconceitos e traumas passados. E eu, mais do que tudo, precisava ser vista, reconhecida por iguais, encontrar companheiros de jornada. Mas, não existem “iguais”... Diante de um e outro, mergulhei em abismos na tentativa de enxergá-los, conhecê-los e amá-los plenamente. E por qual motivo? A resposta é muito simples. Eu acreditei em contos de fadas, eu quis acreditar em “almas gêmeas”, no amor que está “escrito nas estrelas” e que por isso supera todos os obstáculos. Mergulhei em abismos porque queria, desesperadamente, acreditar em todo o blá-blá-blá romântico que havia influenciado imensamente a formação da minha personalidade sem que eu me desse conta. 

Como alguém já disse (acho que foi Machado de Assis, acho), as pessoas não amariam da mesma forma se não tivessem lido romances. Soa meio cínico, mas tem algo de verdade irrefutável. Eu li muitos romances e quis imitá-los na prática. Almejava alcançar “finais felizes” atravessando dramalhões.

Pelo “homem real” eu guardo uma certa tristeza pelo distanciamento (muitas vezes me arrependi por não ter aguentado mais, persistido mais), mas também, e principalmente, tenho por ele um grande carinho. Ainda é o homem com quem eu teria passado toda a minha vida, a partir dos meus vinte e poucos anos.

Pelo “homem imaginário”, primeiro ficou um certo desespero misturado com impotência e profunda tristeza por eu não ter sido forte, equilibrada, racional a ponto de fazer prevalecer o que vi brevemente em seus olhos, o menino que por um instante se mostrou real para logo em seguida ser suplantado pelo adulto pragmático que bem poderia ter se tornado muito mais... Depois, o que predominou foi a revolta comigo mesma. Meu lado A (a emoção) atacando o lado B (a razão) por ter sido tão incompetente em manter a salvo e intocado aquele baú de carências afetivas, sua integridade e dignidade. Essa foi uma fase que se prolongou por anos e só recentemente lado A e B se perdoaram e ficaram em paz.

E, como “a vida, muitas vezes, se assemelha a uma melodia que sempre retoma seu refrão”, passei a ser precavida e a me manter atenta. Claro que houveram outros encantamentos, antes e depois de um e de outro, mas, na última década, aquele “baú de carências afetivas” deixou de ser ignorado e passou a ser mais bem cuidado... Nos próximos dias do resto da minha vida espero que a música toque sempre em progressão. As pontes e refrões fáceis foram banidos, penso eu. Para isso a passagem do tempo e a maturidade contribuem bastante.

E por quê, mesmo, falar disso agora? Porque faz parte da Minha História e sinto que, no fim das contas, como filósofa e escritora, deixar registradas as minhas venturas e desventuras é tudo o que posso fazer. E vou fazer, até ter me expressado de forma satisfatória para mim mesma, ou até meu tempo nesta vida ter acabado.


[ É irritante que os arquivos importados que estavam na condição de rascunho no blog de origem não conservem a data de publicação original aqui... Este também foi escrito em 2022, apesar do sistema lançar na data de hoje, 18 de agosto de 2023. ]