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Rejeição


Resquícios de uma conversa no café da manhã, quando minha mãe concluiu que me sinto “rejeitada” por alguém...

A palavra me soou estranha, fora de lugar… “Rejeitada”! Estranha porque não é assim que eu me sinto… Eu rejeito aquilo que conheço e não gosto e ou não acredito ser conveniente... Se não conheço também posso rejeitar, mas antes me engano…

Lido melhor com a rejeição do que com o engano. Este denuncia preconceito, visão e compreensão limitada, ou ausência de visão e compreensão, cegueira. [Sim, sei que Lacan escreveu algo a respeito, mas eu ainda não li.]

Não me sinto rejeitada, me sinto invisível… E de uma invisibilidade que me fica enroscada na garganta, pois “cosmologicamente necessária”, no sentido filosófico do termo… Dito de modo simples, me sinto como um espelho, para o qual as pessoas olham e só enxergam o próprio reflexo. É como se a minha função no universo fosse a de ser espelho para os outros. Isso e nada mais! Meu “eu” não importa.

Lembro de mim criança, brincando sozinha e sendo “rejeitada” por adultos e outras crianças que não entendiam minhas ocupações solitárias… Passei muito tempo sozinha, também na adolescência, sempre “rejeitada” por outros que não tinham ideia de como eu me sentia e nem interesse em saber… Me percebo como um espelho em que os outros projetavam a imagem de sua própria interioridade. Faziam e fazem julgamentos, não de mim, e sim da própria imaginação.

Não sou cega quanto a mim mesma a ponto de não saber que eu também posso cair no mesmo comportamento, ou seja, projetar nos outros o que eu tenho no meu interior… Mas, nada radical ou inflexível, porque minha imaginação e capacidade crítica não são maiores do que a minha autocrítica. Me policio, me questiono, e quando desconfio de mim e das minhas interpretações, investigo a fundo, me arriscando, inclusive, a ver, ouvir, descobrir, o que me desagrada. Não me furto de me machucar na busca por descobrir os meus próprios enganos.

Quando alguém olha para mim e não me vê, não seria porque a minha aparência não é interessante o suficiente? A princípio, esta seria a resposta correta: a aparência inadequada. Mas, pensando bem, eu posso mudar as formas do meu corpo em poucas semanas, se eu realmente quiser. Posso vestir qualquer roupa, assumir qualquer estilo, assumir qualquer comportamento ou papel… É de enxergar personagens que se trata? Definitivamente, não!

O que permanece invisível para quem se engana comigo é o que esta além da aparência. O que eu gostaria que fosse notado, admirado, até amado, é minha vocação para as profundezas, para as múltiplas perspectivas, para as investigações que por instantes desagradam até a mim mesma (porque há verdades inconvenientes), a minha versatilidade, flexibilidade, curiosidade ilimitada e a minha disposição para encontrar ordem e beleza em meio aos destroços… Como já me disse minha mãe, e desta feita acertadamente, eu já nasci filósofa... Busco incansavelmente pelos limites, pelas fronteiras, pelos instantes, pelas potencialidades, intensidades e suas nuances, pela implosão de todas as formas, mesmo que me doa muito. É a minha natureza! Então, que não me venham com descansos prolongados em zonas de conforto, com lugares comuns, com receitas prontas e respostas fáceis... Eu estou sempre de partida, em trânsito, embora aparentemente não… Neste sentido, sou profundamente conservadora e progressista ao mesmo tempo agora… E eu também posso ser o martelo do mundo! Para os meus iguais, estaria tudo bem! Mas, onde estão os meus iguais? Por isso eu ter me identificado tanto com Nietzsche. Onde estão os nosso interlocutores?

Sim, já acreditei ter encontrado o meu espelho, que seria espelho não por refletir um engano e sim a imagem correta, e que soubesse disso por ser meu igual… E o que aconteceu? Houve rejeição ou engano? Implosão das formas, pulverização... Entendo assim, porque não devo desmerecer potencialidades no atual contexto. E conheço bem o atual contexto! Não sou cega para inevitabilidade e para a importância dos papéis envolvidos. 

De qualquer forma, me sinto otimista pelo rumo do mundo... Apesar de tudo de ruim que está acontecendo, a vida luta para continuar vivendo e cada um tem seu papel em cada batalha, para o bem, para o mal e para o além... Tenho aceitado o papel que me cabe, o de espelho que se revela, inverte o reflexo e desagrada, pois o desagrado obriga a pensar ... Posso ser ignorada, ou posso gritar e me fazer notar quando eu quiser, para o mal e para o além... Afinal, amor fati.