Li o Novo Testamento quando tinha 9 anos de idade. Na época, convalescia de uma cirurgia de apêndice, estava em repouso, temporariamente afastada das aulas e me ocupava com revistas e livros que estavam em casa. Entre eles uma História da Bíblia, edição ilustrada da Abril Cultural, de 1971. Minhas bases sobre cristianismo vêm dessa fase acrescida de leituras isoladas ao longo da vida, mais catecismo na adolescência (um cursinho bem nada a ver), ritual de crisma e missas ocasionais (bem poucas para cinco décadas de vida, devo admitir).
Daí que me considero uma católica. Não porque seja observadora das orientações papais (pouco ou nada sei a respeito), mas porque fui batizada, crismada e irremediavelmente atada à tradição católica que sinto como sendo “o meu lugar”. É como pertencer a uma família consanguínea, não se escolhe pertencer simplesmente se pertence e fim. Mas, se fosse o caso de escolher, eu escolheria continuar pertencendo, sem nenhuma sombra de dúvida... Me sinto católica, parte da tradição, com todos os conflitos religiosos e históricos e científicos e filosóficos que isso envolve, e fim!
Isso significa que refuto Lutero, porque roupa suja se lava em casa e abandonar a casa não é solução. Se antes de Lutero havia uma Igreja corrompida, hoje a corrupção do cristianismo se alastrou por muitas vertentes... Parabéns, Lutero!
A minha não é uma postura católica confortável, porque minha natureza é crítica e sempre será. Não acredito que a compreensão do divino e os modos de expressar a fé devem permanecer imutáveis, engessados no tempo. Não! São Francisco de Assis representa uma grande evolução nos modos de compreender Deus, de crer e de expressar-se! E, como disse Nietzsche, o único verdadeiro cristão foi Jesus Cristo, os outros são imitadores. Há imitadores honesto e desonestos, conscientemente ou não. São Francisco foi um autêntico simpatizante da doutrina cristã, penso eu, e não abrir mão da autenticidade é o mais honesto que se pode conseguir ser.
Tenho um problema sério com a gritaria do "evangelismo da prosperidade" e o fundamentalismo pretensamente cristão – “pretensamente” porque cristianismo e fundamentalismo são conceitos autoexcludentes, e se ater a conceitos é princípio indispensável da comunicação que minimiza ruídos – pois, o barulho atrapalha a minha própria evolução espiritual... É um tipo de comportamento narcisista, que perturba as boas vibrações e me faz sentir raiva vez ou outra… Quando invadem o meu espaço, quando perturbam a minha paz de espírito tão arduamente conquistada... É impossível manter um diálogo construtivo com fundamentalistas... Falta de respeito, turbulência, impossibilidade de diálogo, inquietude e raiva não são bons companheiro para a evolução espiritual, não é mesmo?
Pessoas que não têm paz em si mesmas e perturbam a paz alheia são tóxicas! Acham-se “cristãs”, mas sofrem de uma doença do ego, o narcismo. Nada pode andar com as próprias pernas sem lhes prestar satisfação; nada que é difere da vontade do narcisista presta... Os divergentes não devem se resolver com Deus e sim com elas, as pessoas narcisistas… E que se dane o livre arbítrio! Sejam essas pessoas membros do “rebanho”, ou “pastores” de “rebanho” são tóxicas! Querendo ocupar todos os espaços, invadem o espaço alheio; querendo gritar mais alto, intoxicam almas e impossibilitam a paz em ambiente social. Querem impor sua própria vontade sobre a vontade de Deus, desrespeitam até a divindade! Qual a parte do “Deus tem um plano” elas não entendem? É que “entender” não é verbo que essas pessoas costumam conjugar. Geralmente o que fazem é projetar seu eu distorcido nas Sagradas Escrituras. Não é “vontade Deus” que importa, é a vontade delas, das pessoas fundamentalistas... Ora, respeitem o Deus no qual vocês dizem acreditar!
Fundamentalista ignora o Livro de Jó, como ignora “vontade de Deus”, como não imagina o que seja “Deus fala ao seu Coração” porque não imaginam o que seja diferenciar “voz de Deus” da “voz do próprio ego”. Se são incapazes de ouvir e respeitar o outro, seja ele quem for, como vão ouvir e respeitar a voz de Deus, o Outro?
Enfim, eu me sinto incomodada pela gritaria reinante, pela alienação reinante, pelo fundamentalismo cada vez mais evidentemente consolidado. Nada me parece menos verdadeiramente cristão do que os dias que seguem… Há exceções? Claro! Sempre há! Os cristãos conscientes, equilibrados, serenos existem e tentam sobreviver ao caos, embora esteja cada vez mais difícil… E como se muda este estado de coisas? “Meu povo sofre por falta de conhecimento”… Amplo conhecimento das coisas, pois nada existe fora do Universo que é Deus, que é a antítese da alienação.
Sim, eu ainda guardo aquele exemplar ilustrado da História da Bíblia ... 200 páginas que contribuíram para moldar quem eu sou... Minha preferida é a Bíblia em edição pastoral da editora Paulus (a minha é de 1996, 18ª edição), porque ela tem notas de rodapé com contextualização histórica... Resumindo: tenho horror a quem forçosamente tenta se intrometer no diálogo entre eu e Ele! Dispensamos intermediários... Que vivenciem os caminhos que escolherem, mas não perturbem as caminhadas alheias!