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Porto Alegre



Eu poderia transformar este blog em um diário de viagens. Não desses que falam sobre pontos turísticos visitados, mas sim que seja suporte de textos sobre reflexões que passam pela minha cabeça no contato com diferentes paisagens e formas de viver. Isso é quase impossível, pois o tempo me é cada vez mais escasso. Mas cabe uma menção aqui, outra ali. 

Dentre tantas outras, esta viagem a Porto Alegre é a mais significativa que já fiz. Isso tanto por motivos pessoais quanto profissionais. Curioso que os dois âmbitos se juntem num mesmo lugar... Exatamente às 19:08hs do dia 26 de junho, terça-feira, o avião que me trazia ao Rio Grande do Sul tocava o solo do Aeroporto Salgado Filho. Minutos antes eu havia lido um texto publicado na revista da companhia aérea. O autor aconselha o viajante a preferir as poltronas do lado direito da aeronave, pois desse lado, ao aproximar-se do aeroporto, se tem uma vista deslumbrante... Por coincidência, eu estava do lado direito, mas mal me lembrei de olhar pela janela... Tão logo foi anunciado o início dos procedimentos de descida, me senti muito mal. Não conseguia respirar, a cabeça parecendo a ponto de explodir, a dor nos ouvidos como nunca havia sentido. Enquanto me aproximava do chão, suavemente, sentia uma agonia que me dava medo! Mas vislumbrei o Guaíba...

Diante da possibilidade de pedir ajuda, pensei "ah, já vai passar"... Podia não ter passado e nem naquela agonia acreditei que morreria... Aliás, há tempos venho fazendo eco à Marla Singer, a personagem suicida de Clube da Luta, que vive descuidadamente, zombando da morte... Enquanto ela não vem, a morte, vou vivendo de instantes coerentes... Guardarei comigo o primeiro pensamento que me ocorreu enquanto desembarcava: mesmo diante da morte, o ser humano pode se sentir ou se comportar como se fosse eterno...  

No dia seguinte, hospedada no centro da cidade, ao abrir a janela do quarto de um décimo segundo andar, parei deslumbrada diante da paisagem... De um lado a estação rodoviária, do outro um trem cortando essa cidade onde tudo parece antigo, datado... Os carros transitando sobre os viadutos e, no fundo, o Guaíba com dois barcos envoltos pela névoa do dia que nascia... 

Em meios aos começos e fins de reuniões, ao trabalho e às preocupações, percebi o comércio intenso do centro da cidade, fiz pequenas compras, fui a restaurantes. E se come bem, muito bem em Porto Alegre! Estive hospedada no sindicato dos metalúrgicos gaúchos, visitei a sede gaúcha do Movimento Sem Terra, do Movimento dos Trabalhadores Desempregados, o La Integration (uma Ong voltada para a cultura latino-americana), e o Reforma Agrária, uma loja maravilhosa do MST com produtos orgânicos, vinhos, compotas, cereais. Notei o quanto pequenas conquistas são vitórias significativas e o quanto os movimentos sociais precisam crescer em termos organizacionais. 

Não é novidade que a humanidade está em um momento crucial. Mais do que nunca, a ritmo acelerado, o futuro está em construção e os atores se entrecruzam em meio a conflitos ideológicos e interesses divergentes. Porém, a educação e os sentidos contemplados por ela, principalmente, são a base da formação para este futuro. Só por meio da educação para a consciência crítica a liberdade se torna possível.

Enquanto eu discutia educação popular em Porto Alegre, Paulo Freire foi homenageado em Brasília, merecidamente tomado como Patrono da Educação Brasileira. Resta saber o que isso significará em termos de políticas públicas e qual o papel que caberá à Rede de Educação Cidadã. 

Enfim, nestes dias em POA venho aprendendo muito no contato com pessoas até então desconhecidas, mas que, como eu, tomaram como centro da suas vidas o esforço pela construção de um mundo diferente, mais justo, em que todos encontrem oportunidades de vida digna e feliz sem que para isso tenham que vender a alma para um sistema econômico que as escraviza e lhes rouba o que têm de mais precioso: o tempo de vida e a capacidade de viver com “amorosidade”, como diria Paulo Freire.









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