"Era um pouco como andar em uma montanha-russa que aleatoriamente entrasse e saísse da existência, em intervalos impossivelmente rápidos, mudando de altitude, ângulo e direção a cada pulso da inexistência. Exceto que os deslocamentos não tinham nada a ver com qualquer orientação física, mas sim com alternâncias instantâneas no sistema de símbolos e paradigmas. Aqueles dados nunca se destinaram ao acesso humano.
Com os olhos abertos, tirou o objeto do soquete e segurou-o na mão, lisa de suor. Era como acordar de um pesadelo. Não um horror, no qual os terrores internos assumiam formas simples e terríveis, mas o tipo de sonho infinitamente mais perturbador, em que tudo é perfeita e terrivelmente normal... e em que tudo está completamente errado.
A intimidade da coisa era repulsiva. Lutou contra as ondas de transferência bruta, usando toda a sua vontade para aplacar um sentimento que se aproximava do amor: a ternura obsessiva que um observador vem a sentir pelo objeto de uma longa vigilância." (p. 41)
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"Ele era como uma criança que tivesse crescido ao lado do oceano, estivesse tão acostumada com ele quanto com o céu, mas não soubesse nada de correntes, rotas marítimas, ou particularidades do tempo. Usara decks na escola, brinquedos que o conduziam pelas distâncias infinitas do espaço que não era espaço, a inconcebivelmente complexa alucinação coletiva da humanidade: a matrix, o ciberespaço, onde os grandes núcleos quentes corporativos ardiam como supernovas de neon, dados tão densos que você teria sobrecarga sensorial se tentasse absorver mais do que o mais leve dos esboços." (p. 59)
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"— É uma história dos clãs industriais da órbita alta. Foi escrita por um professor da Universidade de Nice. Pensando bem, até o seu Virek está nele. Aparece como um contraexemplo, ou melhor, como um tipo de evolução paralela. Esse sujeito de Nice está interessado no paradoxo da riqueza individual em uma era de corporações, em que ela ainda existe. A grande riqueza, quero dizer. Ele vê os clãs da órbita alta, gente como os Tessier-Ashpools, como uma variação muito tardia dos padrões tradicionais de aristocracia. Tardia porque o modo corporativo na verdade não dá espaço para uma aristocracia.
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Os clãs ultrapassam gerações, e geralmente há uma boa quantidade de medicina envolvida: criogenia, manipulação genética, vários modos de combater o envelhecimento. A morte de um membro do clã, mesmo um membro-fundador, geralmente não leva o clã, como pessoa jurídica, a uma crise. Há sempre alguém para assumir, alguém esperando. Mas a diferença entre um clã e uma corporação é que você não precisa, literalmente, se casar para entrar numa corporação."
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Acho que a teoria de nosso acadêmico perde o sentido pelo fato óbvio de que Virek, e os iguais a ele, já estão longe de serem humanos." (pp. 136-137)
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