Com a morte da sustentabilidade a humanidade ganha a oportunidade de
substituir a liquidez das relações por uma nova percepção de mundo,
novos modos de pensar e de viver harmoniosamente.
[ Publicado originalmente em 13 de Janeiro de 2015 ]
O ano é 2015... Tal número parece apropriado para a ficção científica, algo sobre um futuro distópico, envolvendo uma terra árida e uma civilização em vias de extinção... E talvez, porque ficção e cinema são produtos tão presentes nesta minha São Paulo natal, estamos imersos, eu e demais habitates desta metrópole, em uma atmosfera de suspensão da descrença... Predomina a sensação de que o filme chegará ao fim, de que vamos sair da sala de projeção para a rua e ver que o mundo real continua igual. Queremos acreditar que a verdade está lá fora, porém...
O que parece ficção é real, embora como em Arrakis – o planeta-deserto, apresentado por Frank Herbert em Duna, sua obra clássica de 1965, filmado por David Lynch em 1984 –, a água está prestes a se tornar moeda de troca enquanto fanáticos religiosos permanecem adorando gigantescos vermes que vivem disfarçados sob areias e tudo devoram.
Explico: vivemos sob uma compreensão de sustentabilidade que não se sustenta e somos vítimas de uma retórica corporativa que se prolonga, mas não se justifica. São Paulo e toda a região sudeste do Brasil – o país dono da maior parte da maior floresta tropical em extinção do planeta, a Amazônia, e das águas que correm por ela em seu território – estão em vias de se tornar deserto, enfrentando uma crise hídrica sem precedentes.
Não houve consciência ecológica sustentável que priorizasse o entendimento de que a preservação da Amazônia é da maior importância para o equilíbrio climático do planeta. Enquanto de 1550 a 1970 o
desmatamento não ultrapassou 1% de toda a Amazônia, nas últimas quatro décadas a extração e o agronegócio levaram ao desmatamento de 18% da floresta brasileira, chegando a 28% entre 2012 e 2013.
Exploração de recursos naturais em grande escala e impacto ambiental caminham de mãos dadas. O conceito de sustentabilidade tem defendido este vínculo conflituoso pelo emprego de um conjunto de técnicas que atrasam o desenvolvimento humano e ameaçam levar a civilização à extinção.
O termo “sustentar” significa manter continuadamente. No atual contexto socioeconômico, trata-se de manter os níveis de exploração de recursos e, ao mesmo tempo, o meio ambiente, minimizando impactos de modo a garantir as melhores condições de vida para as gerações presentes e futuras.
Responsabilizadas pelos impactos sofridos pelo meio ambiente e informadas sobre as graves consequências a serem percebidas na alteração do clima do planeta, as corporações, ao longo das últimas décadas, aderiram a técnicas sustentáveis de extração e industrialização de recursos, estocagem, comercialização, transporte e distribuição de produtos. Adotaram a governança e a transparência, aperfeiçoaram suas imagens institucionais por meio do comprometimento com programas de responsabilidade social e ambiental, do marketing social e de causas. Assim, conquistaram a confiança dos consumidores e garantiram a própria lucratividade. Porém, há contradições mal-disfarçadas neste sistema.
Pragmaticamente empregado, o conceito de sustentabilidade limita a criatividade, a percepção e a criticidade do público quanto às formas de produzir e viver, pois mantém os modos de pensar atados ao modo de produção industrial e à vida pautada pelo consumo.
Pelo discurso, as empresas sustentáveis criam e alimentam o deus capital e a deusa mercadoria, ou seja, a crença de que o único caminho para a solução de todos os problemas é o acúmulo de valores financeiros e a compra de produtos e serviços. A manutenção da produção em escala industrial favorece a manutenção de níveis inadequados de consumo e, embora diminua os impactos ambientais não os elimina. Os estragos, no máximo, são adiados.
Entre a aparência de eficácia da sustentabilidade e seus resultados há um abismo. Destruição de florestas com sua fauna e flora, poluição do ar, alterações climáticas, relações humanas desgastadas... No Brasil o abismo começa a se mostrar seco como as areias de Arrakis, o da ficção, num pesadelo cujo fim é previsível... A crise hídrica brasileira prova que a sustentabilidade é um conjunto de técnicas e práticas que não atingem o objetivo último de promover a conscientização para a manutenção da vida humana em harmonia com o ecossistema.
O que há de bom no fundo do abismo é que com a morte da ilusão chamada sustentabilidade a humanidade ganha uma chance de reverter o atual quadro de insatisfações e reconstruir-se. Para defender seu direito de existir a humanidade deve desenvolver novas percepções de mundo, uma nova era com novo emprego das tecnologias e novas relações humanas, ou estará fadada à extinção.
A Terra exige a transformação dos modos de pensar e viver, a adoção de novos hábitos não poluentes, atuações e relações humanas mais éticas e solidárias. Exige ações conscientes e não intenções que não se cumprem. Cada homem e mulher, pressionados pelo planeta que exploram, são desafiados a transformar-se a partir de dentro, de seu íntimo, para criar novos valores éticos, novas formas de produção familiar, criativa e solidária, uma nova espiritualidade que envolva o respeito pela biodiversidade e interação com ela, e um pacto global que nem precise de assinaturas em folhas de papel tão verdadeiramente intrínseco seja.
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos