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Entre Mundos - 2024, Parte II


"...uma vez que você está dentro, você nunca mais sai... 
Você é da família para sempre." - Blackie Lawless.

Na manhã do dia sete de dezembro, Nicko McBrain, baterista do Iron Maiden, comunicou via Instagram, que o show da banda, previsto para acontecer naquela noite em São Paulo, seria sua despedida dos palcos...  Que Nicko se afastaria das turnês era uma possibilidade em aberto, devido a problemas de saúde. Com 72 anos, 42 de banda, ele passou por um AVC há um ano e teve que fazer muita fisioterapia para conseguir voltar a tocar. A decisão de parar não chegou a surpreender, mas comoveu... E fez passar um filme pela minha cabeça, o filme da minha própria vida.

No início dos anos 80, uma menina que um dia fui entrava na adolescência quando foi fisgada pela indústria cultural... Estava em curso a Nova Era do Heavy Metal Britânico e fui engolfado por ela. É que a imprensa musical tinha algo que eu precisava, sintetizado em um produto denominado "banda de heavy metal": uma combinação de energias, sentidos, posturas, atitudes, estímulos para enfrentar obstáculos, motivações, força! Era isso que o Iron Maiden queria para mim naqueles dias, embora eu não saiba. Uma poderosa referência de vida!

Entre minhas primeiras aquisições, feitas com o dinheiro ganho com meu trabalho, estavam os álbuns do Maiden. Meus primeiros discos de vinil foram The Number of The Beast (1982) e Piece of Mind (1982), comprados de uma só vez na loja de departamentos chamada Mappin. O ano foi 1983 e ambos passaram a ser tocados na minha vitrolinha à exaustão, sempre no último volume. Cada nota foi assimilada, interiorizada, literalmente corporificada e passou a fazer parte de mim para sempre. Ainda tenho aqueles filhos em mim, com toda a sua intensidade, no mais fundo da minha alma. 

Me lembro de quando Nicko assumiu o cargo de baterista do Maiden. Torci o nariz na época, pois gostei muito do Clive Burr. Eu não entendia absolutamente nada de técnica musical, mas por instinto sabia que as habilidades do Clive não eram pouca coisa... Mas, o tempo passou, o Nicko ficou e se localizou . E conquistou a todos, pela competência e simpatia. Sempre com um sorriso espontâneo no rosto, ele se tornou respeitado e querido. 

No primeiro show do Maiden em São Paulo eu estava lá, com meu irmão, no estádio do Palmeiras, e assistimos ao Nicko tocando com o Iron Maiden em uma noite de inverno. Fazia um frio como poucas vezes percebi em São Paulo... Não tenho certeza de que ano era... De qualquer forma, para mim, o  Maiden entrou em declínio a partir de Somewhere In Time, álbum de 1986, que tem Alexander The Great, e nada mais... Tive todos os vinis até Seventh Son of a Seventh Son (1988). Depois comecei a me afastar por razões musicais e ideológicas... Fear of The Dark foi a pá de cal! De 12 músicas se salvam 3, no máximo. Wasted Love é a coisa mais constrangedora que já ouvi de uma banda de Metal, pois é um caça-níqueis óbvio, sem absolutamente nada a ver com o conceito da banda. 

Discordo de quem diz que a decadência do Iron Maiden aconteceu devido à substituição do vocalista Bruce Dickinson por Blaze Bayley. Começou bem antes! E Bayley, na verdade funcionou como um amortecedor no processo de queda. Na época, o mesmo grupo que me ensinou a ser crítica e do contra, entrou em crise existencial frente ao mercado e sucumbiu... Perdi o interesse, pois nunca consegui ver com bons olhos aqueles que abrem mão da própria essência e se vendem... Certas coisas são inegociáveis!

Mas, como disse Blackie Lawless, o baixista e vocalista da banda WASP, a gente nunca deixa de fazer parte da grande "família" e de se importar com os "familiares"... A gente, perdoa, por querer bem. E o Maiden, conseguiu se recuperar e manter a própria identidade entre umas escorregadas e outras... Então, como eu não me importaria com Nicko McBrain? Como não ser grata a quem contribuiu para me proporcionar sentimentos sublimes? Tenho por ele os melhores sentimentos. Desejo que ele se recupere plenamente, seja feliz com seus novos projetos e continue por aqui por muitos anos! E ele nem vai deixar o Maiden totalmente, continuará fazendo parte da empresa e talvez até ajudando nas composições e gravações em estúdio.  

Por outro lado, tenho pensado muito em como o mundo "fala" comigo, em como certos acontecimentos e conflitos humanos me atingiram e passaram a influenciar meus sentimentos e comportamento mesmo quando eu não me dou conta, ou principalmente... Até mesmo a minha relação com a música, que sempre foi porto seguro, foi abalada e muito. Um abalo grave, pois me afastou do que me ajudava a recarregar as energias me reorientando no tempo e no espaço... Não quero entrar em muitos detalhes no momento, mas me aborreci muito com as recentes convergências entre arte e ideologias políticas. O avanço do direitismo fez estragos profundos também na "família Metal"... Porém, a aposentadoria do Nicko, assim como outras perdas recentes,  me fizeram querer reconsiderar... Estou reconsiderando...