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Símbolos








"Se achar que não valho nada, serei nada. Deixarei que outros falem, decidam, vivam por mim. Porém, se acreditar que apesar  dos naturais limites e do medo todo eu mereço uma dose de coisas positivas, vou lutar por isso. Vou até permitir que os outros me amem." - Lya Luft





O "Perdas & Ganhos" da Lya Luft é um livro que, modéstia a parte, eu bem poderia ter escrito. Textos curtos e reflexivos unidos num estilo que usei no Divagações muito espontaneamente. Sobre o trecho acima, porém, tenho minhas ressalvas... Que bom se fosse simples assim! O mal que permanece, enfraquece, dilui as energias físicas e as determinações mentais e esse mal não pode ser  controlado totalmente. Há um limite abaixo do qual a profundidade de um fundo de poço se torna outra coisa.





Dias atrás, papeando num happy hour com minha amiga Teresa, falávamos sobre as coisas que nos subjulgam. A ela, que mais do que ouvir minhas lamúrias nos últimos anos, muitas vezes presenciou suas causas superficiais, falei sobre as inculcações que me vieram após assistir a um documentário sobre Nietzsche, o "Human, All Too Human" da BBC. Até então eu nunca havia pensado muito sobre o colapso nervoso que mergulhou o filósofo num mundo separado do universo comum à humanidade por dez anos. 






Dez anos é muito tempo! Por onde teria vagado sua mente? Teria estado realmente paralisada como uma tela permanentemente em branco? Comentei com a Te sobre a noite em que tive uma "visão do além", sobre a certeza que me veio desde então da existência de realidades paralelas e sobre ter escolhido em qual dimensão continuaria vivendo. Vasto assunto sobre o qual me referi ao mencionar no Divagações estar impressionada com o poder que a mente tem para criar aquilo que é necessário ao corpo. 





Teria Nietzsche abdicado de seus sofrimentos emocionais em nome de uma outra forma de existência? Pergunta que nunca poderá ser respondida. No máximo se pode tecer especulações. E, especulando, traço paralelos com minhas próprias experiências. Há tempos procuro explicações para minhas própria obsessões. Para aquilo que fixou morada na minha mente e permanece, dia após dia sem trégua. Explicações metafísicas ou religiosas e muito menos românticas me satisfazem. Para tudo procuro uma explicação, até mesmo para o romantismo. E no momento me parece que da minha conversa com a Tereza algo novo surgiu.





Na verdade, surgiu uma luz mais clara sobre fatos há tempos pressentidos. Fiz o exercício de me colocar no lugar da minha amiga ouvinte e pensei em como ela interpretaria o que ouviu de mim tantas vezes. A mim, no lugar dela, teria saltado aos olhos nunca ter ouvido, e eu digo NUNCA, um comentário positivo, elogioso, à fonte das minhas lamúrias... E me lembrei da minha psicóloga, a Giane, que, numa outra época, me disse "Helena, olha o que você está dizendo. Disse que fulano tem esse defeito, esse, esse e mais esse... Será que se você tirar todos os defeitos essa pessoa continua sendo ela mesma? E se você não gosta dos defeito, você realmente pode dizer que gosta dessa pessoa?". Há muito tempo eu sei que a resposta é um redondo não...  Mas, a história se repete.





Então, como se explica tal fixação? E a Tereza, estudiosa do Freud, me diz "se pergunte sobre os significados dessa pessoa no contexto da sua vida". Significados, símbolos... Questionando os símbolos eu posso compreender melhor o motivo de, por tanto tempo, ter escavado até o mais fundo, procurando por algo que não estava em nenhum outro lugar que não fosse aparência física.





Símbolos têm a ver com valores e a gente se apega a valores (que para mim não são os financeiros) como orientadores da própria vida. Quando a gente não está contente com a própria realidade e imagina um lugar em que se poderia encontrar esse contentamento, procura evadir-se para esse lugar... E isso explica tudo. E, na verdade, eu já sabia. 





Por muitos motivos, hoje me deu vontade de escrever sobre isso, deu vontade de admitir que eu sempre fugi da minha realidade, pois ela me é insuportável... Os sinais no outro, que me prenderam a uma fixação inabalável, representam os valores com os quais eu gostaria que o meu dia-a-dia se revestisse, o local para onde eu gostaria de evadir-me concretizando-o no mundo objetivo... Mas são apenas falsos sinais... Porém, me neguei e me nego, de todas as formas, a acreditar que são falsos e fico procurando uma validade que não aparece em lugar algum... A razão acredita na falsidade, mas há algo além dela que não aceita e não se aquieta.





O "acreditar que apesar dos naturais limites e do medo todo eu mereço uma dose de coisas positivas" não é suficiente para me fazer "lutar por isso"... Acredito, sim, que mereço coisa muito melhor do que aparências, falsos sinais e ilusões... Mereço pelo meu sofrimento, pela minha persistência e perseverança, pela minha capacidade de relevar, pela minha lealdade de sentimentos, pela minha espera infinita que camuflo até para mim mesma... Mas ultrapassei o limite do fundo do poço. E nesse lugar a vontade se dilui em mil direções, pode levar a qualquer lugar, ou a lugar nenhum, como náufrago perdido em alto mar... É preciso algo que volte a reunir a vontade num único impulso fortalecido. 





Mas, acreditando estar procurando saídas ao mergulhar numa montanha de atividades, me dou conta de que na verdade estou mais substituindo insatisfatoriamente uma via de evasão por outra do que construindo algo verdadeiro, essencial... E nisso eu e minha obsessão somos iguaizinhos: nos apegamos a símbolos vazios, ostentados por outros, para fugir de realidades que não suportamos, tentando alcançar um mundo onde a satisfação seria possível... No meu caso, isso é nada mais do que continuar dando voltas num mesmo circulo.


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