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Amigos e Inimigos







Diz a lenda que os sete pecados capitais são a gula, a luxúria, a ira, a soberba, a avareza, a inveja e a preguiça. Há muito tempo eu sei que entre eles, o que me caracteriza é  a ira... Sou do tipo que pode passar anos construindo, tijolinho a tijolinho, e em questão de segundos jogar tudo para o ar e demolir irremediavelmente o edifício de toda uma vida. Fiz isso vezes o suficiente para ter aprendido a me conhecer bem. Tenho uma habilidade de ferir com palavras que nunca vi em outra pessoa. Faço sangrar com uma frase.





Funciona assim: vou relevando, relevando, relevando... E as pessoas colaboram para a formação da turbulência, pensando que vou relevar tudo sempre, já que revelei uma vez, duas vezes, três vezes, quatro vezes... Chega a hora em que o caos não cabe mais em mim e quando isso acontece, eu já sei onde dói mais no outro... Há muito tempo sei que devo controlar meus impulsos destrutivos se não quiser construir e demolir tudo sempre e sempre me descobrir num deserto com mortos e feridos... Até consegui ser bem sucedida muitas vezes. Mas não todas as vezes, não infinitas vezes.





Hoje é dia do amigo (23:58hs)... As minhas amizades mais preciosas, aquelas que vingaram, são as que perduram no tempo, entra ano, sai ano. Minha amiga Lourdes que me conhece desde os meus três anos e ouviu todas as histórias importantes da minha vida. Minha amiga Belmara, que está morando na França e que eu não vejo há anos. Os sonhos de adolescente e a minha noite mais preciosa foram compartilhados com ela... Minha amiga Tuta, que está morando na Paraíba e que eu também não vejo há anos. Minha irmã de alma! Com elas nunca tive desavenças que não fossem superadas, se é que algum dia tivemos o que pudesse ser considerado como desavença. Delas sempre me lembro com carinho e com saudades. Se partirmos dessa vida a qualquer momento, será sem deixar marcas negativas uma na outra. Em paz, como deve ser!



E é com base na minha amizade com as três que posso avaliar o que, para mim, é uma amizade ideal. Em primeiro lugar, amigo é aquele que se importa com o outro. Meus amigos são aqueles que dão bronca quando necessário, que não se furtam a ouvir, tanto quanto a dizer poucas e boas. São conselheiros aos quais eu confiaria minha vida. Meus amigos não são omissos nem intolerantes. Meus amigos gostam das mesmas coisas que eu, ou não gostam; têm as mesmas opiniões, ou não têm. Não são as concordâncias que tornam uma pessoa digna de amizade e sim o cuidado e o carinho com o outro. O respeito se conquista e se mantém pelo cuidado que só faz sentido quando é recíproco.





Hoje, eu vivo cercada de pessoas por todos os lados. Nunca antes tive uma vida social tão movimentada, eu "bicha do mato" por natureza... Seria ingenuidade minha pensar que todos são amigos. Colegas são muitos, amigos são raros. Amigos sabem lidar com meu "pecado capital", eles não o provocam, o evitam. Os amigos não me obrigam a relevar, antes cuidam de mim e de nós. Por isso, sei que bem pouco daquilo que foi perdido em meio às minhas explosões realmente valia à pena. 





Lamento ter terminado uma relação de anos por não suportar mais ficar em segundo plano e viver de ausências e esperas... Lamento não ter dito palavras de carinho para pessoas queridas que se foram repentinamente... Não posso dizer que lamento amizades perdidas... Nesse caso, aquilo que se perdeu é porque nunca existiu... Se algo se tornou inimizade é porque as relevâncias foram extremas, a turbulência e o embate também.



Também não vou sair discursando frases feitas, afirmando que as feridas não têm importância, que está tudo bem, pois sou superior a elas. Quem já foi ferido de morte e diz isso, mente talvez principalmente para si mesmo. Ser "superior" é questão de ponto de vista. O que não é mera perspectiva são os buracos que ficam na alma e que nada preenche ou muda. Cada um lida com eles como pode e eu faço questão de reconhecer que tenho pouquíssimo inimigos, bem poucos, mas sei quem eles são... Serei eternamente agradecida às minhas aulas sobre Nietzsche, que me ensinaram a conviver com o lado negativo da vida. 







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