“No verão de 1918, encarcerada na prisão de Breslau (hoje Wroclaw), Rosa Luxemburgo continua a participar das atividades do grupo espartakista, redigindo textos que são publicados nas Cartas de Spartakus. Desde fevereiro de 1917 ela acompanha com grande impaciência e interesse a revolução na Rússia.
Nestas notas redigidas na prisão em setembro de 1918 (publicadas por Paul Levi em 1922), Rosa critica a política autoritária dos bolcheviques, procurando ao mesmo tempo compreendê-la. Lenin e Trotski foram forçados pelo avanço da contra-revolução, e pelo isolamento decorrente da falta de apoio do proletariado alemão, a adorar medidas antidemocráticas – no caso a dissolução da Assembléia Constituinte – que atingiram não só a burguesia, mas também as massas trabalhadoras. Apesar de reconhecer a difícil situação dos bolcheviques e de admirar sua coragem revolucionária, Rosa não admite que façam da necessidade virtude e imponham seu caminho para o socialismo como modelo a ser seguido por todos os partidos de esquerda.
Para Rosa, uma sociedade socialista terá necessariamente que ser democrática (e vice-versa), o que significa que só poderá resultar da participação efetiva das massas populares. Daí sua defesa incisiva do espaço público, das liberdade democráticas como pré-requisito fundamental para a formação política das massas trabalhadoras. A vontade enérgica de um partido revolucionário não basta para construir uma sociedade socialista. Em outras palavras, ela rejeita premonitoriamente a estratégia dos partidos de esquerda que chegarão ao poder no decorrer do século 20: primeiro toma-se o poder, depois muda-se o mundo. Para ela, tomada do poder e instituição da democracia (equivalente aqui à mudança do mundo) não são duas etapas separadas no tempo, mas duas faces da mesma moeda. A suspensão das liberdades democráticas impedirá a participação das massas populares. Esta será substituída pela dominação de um único partido, que acabará levando à dominação de um grupo de burocratas e, por fim, à de um único burocrata.
Este pequeno texto [A Revolução Russa] teve uma trajetória altamente polêmica no decorrer do século 20. Desde que veio a público em 1922, sempre foi considerado pelos marxistas ocidentais um manifesto do socialismo democrático, a ponto de recentemente Michael Löwy declarar que ‘essa brochura de 1918 é um dos textos indispensáveis não só para entender o passado, mas também e sobretudo para uma refundação do socialismo (ou do comunismo) no século 21’.
Em contrapartida, na RDA só foi publicado em 1975, acompanhado das habituais observações sobre os “erros” de Rosa Luxemburgo; em Moscou o texto considerado ‘maldito’ só veio a público pela primeira vez em 1990.”
LOUREIRO, Izabel. Comentário Introdutório ao texto A Revolução Russa. In: Rosa Luxemburgo, Textos Escolhidos. Expressão Popular, 2009, pp. 101-103.
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