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Desertos: de Paris ao Texas











"Eu costumava conversar a sós com você depois que você partiu. Eu costumava falar com você o tempo todo, mesmo estando sozinha. Conversei com você por meses a fio. Agora não sei o que dizer. 

Era mais fácil quando eu apenas o imaginava. Eu até imaginava que você me respondia. Tínhamos longas conversas. Só nós dois. Era como se você realmente estivesse comigo. Eu o via, sentia seu cheiro. Eu podia ouvir sua voz. Às vezes sua voz me acordava. Acordava-me no meio da noite, como se você estivesse no quarto comigo. Depois, isso foi lentamente acabando. Já não podia mais imaginar você. Tentei falar em voz alta com você como sempre fazia, mas não havia nada lá. Já não podia mais ouvi-lo. Então eu apenas desisti. Tudo acabou. Você simplesmente desapareceu." - By Jeanne - Paris Texas









Por uma vida toda estive acostuma à objetividade dos fatos, ao preto no branco. Também eu acreditei no princípio de não contradição e na universalidade... Não sei dizer se o contato com certos aspectos de mim mesma teria se tornado possível se não tivesse eu me metido a filosofar além do senso comum... Não sei dizer se foi Spinoza que me acordou para o que meu corpo diz, ou se foi meu corpo desperto que encontrou seu eco na ética espinosana... Mais provável é que tudo tenha acontecido ao mesmo tempo a partir de um único ponto no tempo-espaço... Ponto este, introjetado e diluído imperceptivelmente. Germinou, contra a razão e sem se fazer perceber. Passou a reclamar sua vontade particular em sonhos de estado desperto ou acordado.






Absurdo que alguém se torne  irrecusável na vida de outro por força de sonhos! Inusitado que um corpo se transforme por força da existência do outro! Houve uma época em que me perguntei quão forte e plena eu poderia vir a ser por influência de uma força que não vinha de mim, mas que me transformava. 





Impensável que alguém renasça dos mortos continuamente por força de sonhos! Impensável! Mas a  manifestação mais inconfundível de uma vontade se denuncia em voz ausente, em um calor inexistente, em um cheiro que se levanta da memória... Há um terceiro lugar entre o real e o imaginado, um algo que não é uma coisa nem outra... Tão válido quanto qualquer lugar, mas um espaço de vertigens, onde ninguém escolhe estar por medo de não saber voltar... Não são desertos, são oásis. A gente de esquece de si em oásis!





Não conhece a existência quem não vive e sangra,  quem não desconstrói a si mesmo e não decompõe o avesso dos destroços... E isso não é escolha, é ausência de escolha.



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