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A Mulher de 40






Uma amiga do grupo de estudos de gênero, dia desses, nos apresentou sua vontade de estudar os textos da Simone de Beauvoir que tratam do tema envelhecimento. Muito bem casada há algo por volta de uns 25, 30 anos, bonita, inteligente, carismática, alto-astral e mãe de uma moça linda, disse ela, a minha companheira de estudos, estar em desajuste com o tal envelhecimento. E fez eco às minhas próprias inquietações. Eu que nunca fui casada, na prática nem imagino o que seja gerar uma criança e criar um filho, também estou às voltas com o aprendizado sobre como encarar a tal meia-idade.





Na próxima segunda-feira completarei exatos quarenta e três anos e nove meses de vida. Primeiros anos de cinco décadas de uma existência meio incomum, cheia de escolhas meio improváveis. Sei o que é se sentir uma criança, uma adolescente, uma jovem, uma mulher de trinta ou de quarenta. Posso imagina o que é ter 50, 60, 70, 80, 90, embora não possa acreditar que eu e meu coração cansado chegaremos muito longe (ele se cansa até dormindo). 





Tenho uma coleção de "Helenas" em mim, cada uma com sua coleção de momentos, de encantamentos e desilusões, de descobertas e paixões... Me apaixonei pela música, pela literatura, pela arte, pela história, pela filosofia, por pessoas, por lugares, por situações... Algumas paixões mais duráveis do que outras, mais intensas ou menos, mas, sempre, uma bem diferente da outra. Há uma adolescente apaixonada por Def Leppard e Iron Maiden, uma outra louca pelo Mozart; uma adulta que até tentou gostar, mas detesta a maior parte do que leva o nome "jazz" ou "reggae"... E se eu for comentar cada gosto e desgosto não terei vida para tanto. Sou um ser que adora a simplicidade, mas que por acúmulo, tornou-se complexa.





E cada Helena com um corpo diferente, com um corte de cabelo diferente, com estilos de roupa os mais variados em épocas diferentes, lendo as coisas mais variadas em tempos os mais próximos ou distantes numa escala de quarenta e poucos anos... E não me reconheço mais... Me olho no espelho e não me encontro mais, o rosto não é o conhecido, o corpo também não, o comportamento muito menos... E se até pouco tempo um creminho aqui e uma corzinha ali recuperavam tudo, já não é mais assim.





Mas algumas coisas não mudam... Aos onze, doze anos, pela primeira vez achei que deveria gostar de algum menino, afinal, as meninas gostam de  meninos... Aos quinze, dezesseis achei que deveria beijar algum garoto, afinal, as meninas beijam garotos... Aos vinte e poucos a gente tem que namorar a sério, afinal... E chega a hora em que a gente começa a se atormentar porque tem que perder a virgindade, afinal, onde já se viu ainda não ter perdido a virgindade nessa idade?! Bom, me salvei de achar que tinha que casar e ter filhos, pois afinal todo mundo casa e tem filhos... E me salvei de muita coisa! Sou individualista e narcisista e ponto. Minha preocupação com outros  parte de mim mesma. De qualquer forma, sempre se está à procura de alguém... E admito que a procura nunca foi apenas porque é "o que se deve fazer, pois todo mundo faz". A busca pela plenitude é essencial para mim, para todos, cada um à sua maneira. Mas são bem poucos os sortudos que conseguem viver relacionamentos plenos e que duram tanto quanto gostariam que durassem.





Aos quarenta, a gente leva um susto. Pelo menos eu levei... O fim da infância até a meia-idade pode ser o período mais longo da vida. E dura tanto que a gente chega a se esquecer de que houve um antes e haverá um depois (costuma haver). Mas a travessia para esse depois não é suave, pelo menos para mim não foi e não é... Pelo contrário, é um período em que se entra mais em sintonia com o próprio corpo. Ele exige atenção e se expressa numa linguagem que precisa ser decifrada... Demorei um tempo para reconhecer que ele é um ditador e a razão, não mais do que sua serva, muitas vezes não entende coisa alguma e se debate em agonias, tentando encontrar sentidos para o que não tem sentido algum. Antigas concepções, meus dogmas pessoais, foram demolidas nos últimos anos.





Entrando na quarta década de vida, todas as células do meu corpo passaram a gritar: “o seu tempo está acabandooooOoooooOooo.... AcabandooooOoooooOoooo"... É sério! Imagino que as mulheres sentem isso, talvez, de maneira mais pungente. Acabando... O nosso tempo de gerar novas vidas... Cada dia mais vidas de menos... E isso faz com que todas as coisas se tornem de uma urgência e de uma intensidade assustadoras, pois inconscientes... Amor e paixão se tornam caso de vida ou morte. Os desejos são exigentes, intensos, urgentes, febris, desesperados...  Nunca se ama tanto como quando se tem a sensação de finitude na alma... Finitude! E, provavelmente, isso justifica a minha necessidade tão grande de encontrar novas paixões e recuperar as antigas... Preciso me apaixonar por novos livros, por novas músicas, por novos lugares, situações... Redescobrir e somar. 





É um momento de me reajustar à vida. O que a gente faz quando não tem mais vinte anos, mas sim a sede de vida dos quarenta? Descobre novas formas de existência, oras, reinventa-se... Estou otimista.


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