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Ácida











Diz Paulo Freire que um educador popular nunca deve perder a capacidade de indignar-se. Em Filosofia se diz que o filósofo nunca deve perder a capacidade de espantar-se. Tenho bem incrustadas na alma as duas capacidades. Espanto e indignação caminham de mãos dadas em mim. E nesta semana perdi a paciência com pessoas que me espantam negativamente e indignam absurdamente. E me sinto como um rio corrosivo, sibilando palavras ácidas. Sou um furacão, que caminha sobre a terra e faz voar pelos ares  o que está no caminho. Vou levar uns dias para voltar a  adotar esforços de contenção da minha acidez por vezes irônica, por vezes cínica, sempre violenta e nada sensata.





Em meios onde se pode estacionar e passar desapercebido por anos a fio, minha incontrolável capacidade de indignação faz com que eu me destaque rapidamente. E como lembrou minha mãe, "assim você fará inimigos"... Bem, antes inimigos declarados do que falsos amigos. E nada me indigna mais do que a falsidade, a superficialidade, a manipulação, a hipocrisia. Em qualquer lugar por onde se circule, o ambiente se apresenta infestado de seres preocupados apenas com a manutenção das próprias vantagens. Seres que, assim agindo, passam longe de qualquer idealismo que mereça ser chamado de nobre. Campeia a pobreza de alma, a miséria de espírito, a hipocrisia generalizada. Há exceções, claro. Poucas.





Recentemente me dei conta do paralelo que existe entre o "ser mais" de Paulo Freire e o "super-homem" de Nietzsche. Há controvérsias sobre, interpretações divergentes. Porém, inegável é que ambos apontam para muito além das alienadas zonas de conforto materialistas. E, confesso, o nível de alienação da nossa "era da informação" às vezes me dá desespero. Se nada no raso, muito raso,  mas como a eloquência de quem se imagina a milhares de metros de profundidade. E os holofotes brilham!





Às vezes, quando lamento não ter tido filhos, me conforto ao pensar que não os deixarei neste mundo caótico. Mundo em que cada vez menos as pessoas se olham nos olhos para reconhecer as necessidades uns dos outros, para dizer abertamente o que pensam e ou sentem; onde as pessoas têm medo umas das outras. Demonstrar interesse sincero por alguém hoje é se tornar suspeito sabe Deus de quê. Lutar por ideias significa ser chamado de tendencioso com intencionalidades escusas. O normal é ser come-quieto, se fazer de vítima e acusar outros das misérias contidas no próprio coração... E daí eu, luxemborguista, nietzschiana, foucaultiana e freireana me indigno furiosamente... E como! 





Na verdade, eu acredito na insensatez dos que não se calam... Acredito em furacõe, desde que espontâneos e verdadeiros. São os "insensatos" que abalam os jogos de cartas marcadas e as estruturas da história. Se os "insensatos" morrem cedo, pouca diferença faz, pois de certa forma são eternos. Difícil hoje é encontrar quem está à altura dos grandes personagens históricos em meio à massa alienada por uma mídia e uma elite insones. E daí me sinto meio Nietzsche... Onde estão os espíritos livres, os andarilhos, os guerreiros do meio-dia?