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Perdas e Danos













Há uns dois, três anos atrás, ganhei da minha amiga Teresa uma cópia da sua coleção de textos publicados no jornal Folha de São Paulo. Textos da Dulce Critelli e do Contardo Calligaris publicados de 2006 a 2009. Presente sem nenhum outro motivo senão a generosidade da minha amiga, sempre dedicada a partilhar seus interesses. Guardei o presente e, desde então, passei a dedicar alguma atenção aos colunistas de jornal. Leio os textos publicados na Folha sempre que posso. O último que me chamou a atenção foi escrito pelo Contardo, o "Paidrastos" (e "mãedrastas").





Na prática, eu nunca tive nem uma coisa nem outra, nem paidrasto nem mãedrasta, embora meus pais sejam divorciados há mais de trinta anos.  A última vez que vi meu pai foi no dia da assinatura de tal acerto. Não sei se algum dia me torturei por não ter sido motivo o suficiente para que meus progenitores continuassem juntos, como diz o Contardo... Antes teria coisas piores para lamentar. Por exemplo, a atitude de uma mãe que só concordou em assinar o tal divórcio após convencer o marido de que deveria desaparecer e não mais ver os filhos. Ou seria ainda pior a atitude do marido que concordou e cumpriu a promessa?





Talvez eu devesse me sentir valorizada, afinal, alguém me quis consigo a ponto de exigir um acordo absurdo desses. Talvez, se eu fosse alienada o suficiente para não compreender que o gesto foi por egoísmo, instinto de posse e medo de parecer menos importante diante de uma "mãedrasta" (que diga-se de passagem já  estava a postos, a causa da discórdia), além de ser, obviamente, chantagem emocional. Egoísmo, não amor.





Mas trinta anos é tempo demais para se fazer dramas... Hoje me entendo muito bem com a minha mãe, desde que não se toque em determinados assuntos (e a lista deles é grande), desde que eu ignore sua necessidade de viver a vida dos filhos e mantê-los debaixo das suas asas, mesmo que para isso sejam infelizes. 





Esse tal egoísmo, nos seus múltiplos disfarces, tão mal travestido em "amor", raramente deixa de ser uma das principais características das relações afetivas. Acaba por provocar desastres sem tamanho, pois irremediáveis e silenciosos. Até pouco tempo vivi como se nada disso tivesse importância, como se um pai e uma família "normal" não tivessem feito a menor falta. Na escola, quando os pais eram convidados para reuniões e o meu não comparecia, eu dava de ombros e fazia de conta que não era nada... O resultado disso é que nunca confiei em homem algum, jamais entreguei corpo e alma juntos. E ainda bem que quando achei que isso aconteceria, percebi a tempo que teria sido um erro monumental.





Mas também eu, em certa época, estive em posição de ser uma "mãedrasta". No meu relacionamento mais importante e mais duradouro estava envolvido um garotinho que, no início da história, tinha apenas cinco anos. Eu olhava para ele e via o reflexo da criança que eu mesma havia sido naquela idade... Empatia! Palavra que me é tão cara! E por isso mesmo me soa estranho que alguém assuma o papel de "mãedrasta" ou de "paidrasto"... São personagens que nem deveriam existir, pois se poderia ser algo muito melhor, um/a amigo/a sincero/a e dedicado/a... Pelo que diz o Contardo, isso não seria possível, pois a relação seria sempre de disputa. Enteados,  "mãedrasta" e "paidrasto" estariam sempre numa relação hostil dissimulada, disputando o objeto "amado". 





A questão, para mim, é que as pessoas amam errado, não sabem se dividir e manter cada coisa em seu lugar... Nunca há um amor exatamente igual a outro. O sentimento é sempre diferente. Não é melhor ou pior, apenas diferente... E sendo um diferente do outro, um não é ameaça para o outro, antes pode ser um complemento. Talvez até uma salvação para todos os envolvidos... E a gente perde tanto na vida por matar o "compartilhar" em nome do "possuir", o "respeitar" os sentimentos alheios em nome do "agredir"... Assim, o "aceitar" e o "permanecer" perdem espaço para o "partir"... Acabamos partindo quando poderíamos ter aprendido a ficar e a completar, ao contrário de perder tanto... E se algumas coisas são mutáveis, passageiras, outras coisas não... Ser pai, ser mãe, ser filho, seja lá com que qualidade for, é para sempre... Pena que há quem se esqueça e, assim, se dá início a uma série de perdas sem fim e sem tamanho.




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