Nota de rodapé de Luc Ferry em A Revolução do Amor: por uma espiritualidade laica:
Paradoxo a ser pensado por nossos pequenos nietzschianos de esquerda, alunos de Deleuze e de Foucault, que há anos batiam pé, exigindo a "supressão do sentido", o "esgotamento do sujeito" e a "morte do homem". Finalmente a globalização liberal atende a seus desejos. Ela realiza perfeitamente essa execução. Não apenas ela é literalmente uma máquina de moer todos os sentidos existentes, mas também de produzir permanentemente o nonsense. E ela se dá ao luxo de fazê-lo exatamente à maneira de Nietzsche: encarnando quase perfeitamente a estrutura daquilo que ele apontava como "vontade de poder". O que não deve ser confundido com "vontade de ter poder", como Deleuze demonstrou perfeitamente ao atacar um dos contrassensos mais frequentes cometidos contra o pensamento de Nietzsche, mas a "vontade que se quer a si mesma", a vontade que quer sua própria intensificação. O capitalismo globalizado não é outra coisa senão essa vontade de poder de poder finalmente desencadeada, essa vontade que não quer mais nada, pelo menos nada mais que seu próprio crescimento infinito, essa vontade que não tem mais objeto, mais finalidade, mais ideal (mais "ídolos", dizia Nietzsche), mas que quer crescer permanentemente, sem finalidade, apenas para existir, para perseverar em seu ser, aumentando sempre e sem finalidade, no sentido pleno do termo. O que Heidegger chamará adequadamente de vitória absoluta do "mundo da técnica", um universo no qual os fins desaparecem em benefício dos meios. Por isso - diga-se de passagem, para aqueles que se interessam pela história da filosofia contemporânea - a estrutura da segunda globalização poderia ser objeto de uma descrição nietzschiana em termos de vontade de poder, heideggeriana em termos de "mundo da técnica", bem como marxista em termos de "progresso sem sujeito" (Althusser), ou de "razão instrumental" (Horkheimer e Adorno).
FERRY, Luc. A Revolução do Amor: por uma espiritualidade laica. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, p. 59.
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