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Frágil








Os último dias foram de uma tristeza densa. Do sul do país veio o abalo que nocauteou a nação. Atingidos em cheio no alto do nosso pedestal, nós, sobreviventes, fomos atirados ao chão, frente à nossa real condição no mundo... Não somos nada! A fragilidade dos mortos de Santa Maria é a fragilidade de tudo o que vive sobre a Terra.






Se corre tanto, mas nada salva dela, a fragilidade. Há quem se engana com a ilusão de que pode prever todas as coisas, programar todas as coisas, julgar e controlar tudo e todos, proteger-se de tudo...  O descarte,  muitas vezes, aparece como solução e a gente sai deletando quem mais nos ama, quem mais precisa de nós, protelando as boas palavras, os bons gestos, as pequenas grandes alegrias que são tudo o que a vida pode nos dar e que não são pouca coisa.






No meu último passeio, caminhando pelas ruas do centro de Santo André, me percebi quase atropelada por transeuntes umas três vezes. "Será que sou invisível", pensei a certa altura já irritada com tanta falta de educação... As pessoas passavam umas pela outras com ares de "sai da minha frente"... Envolvidas na sua pressa cotidiana, olhavam para o visor dos celulares, mas não olhavam umas para as outras.





Nas ruas da cidade, se multiplica uma paisagem de zumbis tecnológicos, se comportando como donos do tempo, senhores do espaço e predestinados a atingir o topo da montanha do sucesso.  Não há cortesia, não há respeito, não há sequer consideração... Não me esqueço, e cheguei a ter pesadelo, com a cena que observei ano passado, à caminho da USP, para apresentar um trabalho num fim de tarde... As pessoas descendo no Metrô Consolação para fazer conexão com a linha para o Butantã, seguindo atrás umas das outras, sérias, caladas, caminhando por uma mesma fila que parecia não acabar nunca, num mesmo passo ritmado, como que numa linha de montagem.





Não sei se sou invisível, insignificante, ou se o mundo enlouqueceu... Às vezes, me sinto com medo da frieza das pessoas e desse mundo louco e sem freios, onde todos automaticamente tomam parte num sistema de coisas e nele correm para parecer mais bonito, mais inteligente, mais bem sucedido, ter mais diplomas, mais títulos, mais propriedades, ter acesso às altas rodas, influenciar mais, aparecer e aparentar mais, estar na crista da onda... Não sou desse mundo, não quero ser... Aqui se adoece de solidão no meio da multidão, se enlouquece de carência porque o outro nega um sorriso, um gesto, uma palavra, aliás nem se dá conta da importância que tem ou pode ter na vida de alguém. Não há tempo e há tanto em jogo!





Mas, não quero falar de culpados... A tristeza ainda continua densa. O tempo acalmará a dor, mas não a saudade dos que perderam pessoas queridas. Tempo não cura as cicatrizes da alma, embora nos ensine a escondê-las... Não, não quero falar de culpados... Só desejo, mesmo, que as pessoas pensem mais nela, na fragilidade... Que não neguem um sorriso, um gesto, uma palavra, um abraço... Que não neguem a paz do outro, a beleza simples de quem diz com um olhar ou com palavras um mero "eu sei que você está aí, eu me importo", as únicas coisas que fazem valer à pena viver, mesmo na fragilidade... Que pelo menos sejamos dignos da vida e do tempo que ela nos concede.


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