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Além








Eric Michael Packer, 28 anos, especulador financeiro. E rico. Tão rico a ponto de ser capaz de causar uma crise econômica sistêmica por conta própria. 





"Os estrategistas não sabiam explicar a velocidade e a gravidade da queda. (...) Ele sabia que era o iene. Seus atos referentes ao iene estavam causando tempestades de desordens. Seu poder era tamanho, a carteira de títulos de sua firma era tão grande e ramificada, com vínculos cruciais com tantas atividades e tantas instituições centrais, todas reciprocamente vulneráveis, que a totalidade do sistema estava ameaçada." (p. 112)





Falado com sua guarda-costas, ele diz: 





"- Que arma ele lhe deu? [o chefe de segurança]


- Aparelho de choque. Ainda não confia em mim o bastante para me dar uma arma letal. 


(...) Quantos volts você tem?


- Cem Mil. Dá pane no sistema nervoso.


(...)


- Me dá um choque. Sério. Com a máquina. Quero que você me dê um choque, Kendra. Prá me mostrar como é. Estou querendo mais. Me mostre uma coisa que eu não conheço. Um choque para me reduzir ao meu DNA. Vamos lá, vamos. Aponta para mim e atira. Quero todos os volts que tem nessa máquina. Vamos. Me dá. Agora." (p. 113)





"Aquela orgia de ienes estava liberando Eric da influência de seu neocórtex. Sentia-se ainda mais livre que o seu normal, ligado nos registros do tronco cerebral e distanciando-se da necessidade de estar sempre agindo sob inspiração, fazendo avaliações originais, mantendo princípios e convicções independentes, todos os motivos que fazem com que as pessoas sejam fodidas, enquanto pássaros e ratos não são. 


O choque elétrico provavelmente ajudou. A voltagem transformou sua musculatura em geleia por dez ou quinze minutos, e ele ficou rolando no tapete do hotel, eletroconvulsivo e curiosamente exultante, privado de suas faculdades racionais." (p. 113)




Os limites e o além... 


Estes trechos me lembram os comentários de um professor... Disse ele que em certa altura da vida, Sartre usou drogas para pensar sobre os efeitos delas. Disse que Foucault e outros fizeram o mesmo... Em outras palavras, alguns se arriscam a sair do comum em busca de experiências que outros nem suspeitam como possibilidade... Assim, se pode pensar além do comum, além do óbvio, além dos padrões, assim se pode estar... E estes comentários chegaram a provocar desconforto. Alguns colegas chegaram a dizer que coisas assim não deveriam ser ditas por um professor, pois podem soar como apologia a drogas... Penso que ninguém que se lance de forma prevista e planejada a uma experiência específica irá alcançar os mesmos efeitos que aquele que se defronta com ela inesperadamente, sem antes ter optado por esse encontro... A surpresa é elemento essencial dos dramas e tragédias, também algo que não se pode falsificar.





E esses trechos também  me lembraram os comentários de alguém que certa vez me disse: "Sou um filósofo, não espere que eu tenha uma vida certinha"... Nem sei se cheguei a esperar. Mas, eu entendo. Eu mesma, quando mais jovens, queria tudo pela simples curiosidade de viver e conhecer as sensações inerentes a cada experiência. Mas sempre me coloquei freios. Há sempre um limite que me recuso a ultrapassar por sentir que não vale à pena. Deveria eu chamar isso de bom senso? Não sei...





A estrada dos excessos realmente leva ao palácio da sabedoria? Não estou bem certa disso... Me parece que pela estrada dos excessos se chega a um lugar decepcionante, inóspito, ermo de sentidos e esperanças... E também é isso o que me diz esse Cosmópolis de Don Delillo. Ou está errado o escritor? Me conte como é o "palácio da sabedoria" quando chegar a conhecê-lo... Continuarei por aqui, cultivando o meu jardim.








DELILLO, Don. Cosmópolis. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.