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Stieg Larsson: uma biografia do autor de Millennium



Stieg Larsson é o jornalista e  escritor sueco criador da série Millennium. Os Homens que Não Amavam as Mulheres, A Menina que Brincava Com Fogo e A Rainha do Castelo de Ar, três volumes com cerca de seiscentas páginas cada um, foram lidos por mim de um só fôlego há exatamente um ano atrás. No momento estou lendo a biografia, recém lançada pela Cia das Letras, Stieg Larsson: a verdadeira história do criador da trilogia Millennium, de Jan-Erik Petterson.

Ignorando o subtítulo, a meu ver pretencioso e inadequado, o texto é bastante interessante. Procurando apresentar o contexto no qual viveu Larsson, Petterson fornece informações históricas preciosas sobre cantos do mundo pouco evidentes. Não me lembro de algum dia ter sido orientada a estudar a histórias e a política do norte da África ou das Ilhas do Caribe. Lugares distantes de que a gente só ouve falar superficialmente. Acontece que Stieg foi um inquieto aventureiro, meio na linha do jovem Che Guerava que decidiu atravessar a América de motocicleta. Stieg atravessou continentes. E seguindo o texto de Petterson se vai entendendo de onde Stieg tirou passagens importantes de suas obras, qual sua inspiração, o que está nas entrelinhas de Millennium.

É mesmo difícil imaginar que na Europa pós Segunda Guerra alguém possa não desenvolver alguma postura política. Nascido em país próximo à Alemanha, a Suécia, Larsson tornou-se socialista e internacionalista, ferrenho defensor dos direitos humanos. Porém, confesso que lendo seus livros o que me prendeu foi sua abordagens das relações afetivas. 

Sou uma romântica à avessas, de um romantismo que eu mesma ainda não sintetizei para mim. Sempre sonhei com um amor que  não transforme a vida numa prisão composta de rotinas e obrigações, que não suprima as liberdades individuais. Se eu mesma faria uso dessa liberdade é outra história, mas a concederia certamente. Não pode haver sentimento mais sublime do que o amor pleno. Ao mesmo tempo é igualmente precioso o viver a vida plenamente. Me soa estranho que o sublime do amor cobre o preço das livres opções, das descobertas individuais, do crescimento, em nome de um ideal romântico que é criação cultural.

Mikael Blomkvist, personagem criado por Larsson, é o que melhor traduz o que eu mesma penso da relação entre vida e amor. A certa altura, diz ele "o verdadeiro amor é a amizade". E na obra de Larsson, se há homens que não amam as mulher, há Blomkvist, que nos ama verdadeiramente. 

Jornalista da área econômica, Mikael há vinte anos mantém um romance com uma ex-colega de faculdade e de profissão, sua sócia na revista Millennium. Não haveria nada de tão incomum não fosse ela casada quase pelo mesmo período de tempo e autorizada pelo marido a manter a relação com o amante. O marido só pede que ela avise quando vai dormir na casa do amante, caso contrário ele ficará preocupa sem saber do paradeiro dela! Marido que, por sua vez, não é nenhum infeliz acomodado numa situação que lhe é desfavorável. Pelo contrário, trata-se de um artista plástico bem resolvido consigo mesmo, culto, viajado, realizado,  também com suas relações paralelas. O casamento se mantém porque ambos são amantes, amados, amigos e insubstituíveis um para o outro.

Mas não pára por aí. Mikael faz tanto sucesso com as mulheres quanto James Bond (Daniel Craig caiu como uma luva aos dois personagens). Porém, Mikael é diferente. Ele trata as mulheres com respeito, como suas amigas que contam com sua lealdade, e não como coisas descartáveis. Lisbeth Salander que o diga. Mikael coloca em risco a própria vida para defendê-la, mesmo sem entender o que estaria acontecendo na vida nada óbvia dessa mocinha problemática. Um homem que sabe amar com liberdade, que é leal e confiável até a última célula. O homem dos meus sonhos! E como é sonho, é literatura!

Interessante observar como as mulheres da obra de Larsson reagem à opressão e à liberdade. Há aquelas que foram brutalizadas sem chances de resistência, as vítimas do psicopata apresentado no primeiro livro. Aquelas que sofreram violência, fugiram e construíram uma nova vida. Aquelas que enfrentam a brutalidade com inteligência e que deram a volta por cima, como é o caso de Lisbeth. E aquelas que tiveram uma vida sem maiores problemas, mas que também sofrem o preconceito difuso, ao buscar a realização profissional, por exemplo. 

Larsson, entre outras coisas, fala de  preconceitos, de violência, de dominação, de reação e de amor verdadeiro que não se confunde com direito à  posse da coisa amada. E vislumbra a possibilidade de mulheres e homens viverem plenamente, em igualdade de condições, com igual respeito de um pelo outro. Respeito e amor elevados a dimensões diferentes do comum, gerando um romantismo diferente, de um outro nível. Não se trata de falsamente interpretar papéis, mas da conquista do direito à verdade de cada um. Verdade que não anule o amor, mas que antes o eleve. Torço para que Larsson, além de excelente contador de histórias, também tenha sido visionário..