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O Além do Homem - Cosmópolis I









Desde que eu me lembre, sempre estive impulsionada pela curiosidade. Sempre quis compreender como funciona este mundo em que vivo, como interagem as peças que o compõe, o que leva a sociedade a ser o que é e o que ela é. Afinal, o que sou eu e o outro? Com o tempo, fui adquirindo informações, assimilando perspectivas e novos conceitos, o vocabulário foi se tornando mais abrangente, o pensamento mais intrincado... Normal. É assim com qualquer ser humano em desenvolvimento.





Mas, hoje estou num esforço de síntese. O que é pensamento? O que é Filosofia? Quais seus limites?   O que é possível conhecer e como se constitui o processo do conhecimento? Qual a real contribuição do pensamento filosófico para indivíduos e sociedade? Questões antigas para as quais as respostas devem ser individuais... Eu tenho as minhas, que talvez sejam provisórias. Minha questão máxima é: o que fazer com as respostas?





Sei que Nietzsche diagnosticou a morte de Deus e Foucault detectou a morte do homem. São águas passadas... Mas, se o homem morreu sem Deus, o que é isso que somos hoje, neste mundo tal qual ele nos parece? Somos coisas sem certidão de nascimento e que ainda não aprenderam a reconhecer-se; produtos de linha de montagem da sociedade administrada, imersos num espaço/tempo de fronteiras móveis. 





Para Foucault, o homem, enquanto conceito, foi uma criação da Modernidade. Com a manipulação dos corpos pelas disciplinas e pela tecnologia capitalista/industrial, passou a ser outra coisa. O ápice da industrialização também é o ápice do controle dos corpos, da informática e da forma de vida que ela proporciona. Nunca fomos tão outra coisa... Em outras palavras, as condições de possibilidade e as variáveis do conceito "homem" mudaram, portanto, o conceito não pode mais ser o mesmo.





Falando sobre a Teoria do Valor Econômico, Foucault menciona a relação entre valor financeiro e simbolismos. Os símbolos estão em evolução, num processo histórico contínuo. Os herdeiros da Terra são coisas sem certidão de nascimento e que ainda não aprenderam a reconhecer-se, num espaço/tempo de fronteiras móveis. Oras, a ponte entre o mundo exterior (objetivo) e o mundo interior do eu (subjetivo), se constitui de símbolos... O valor econômico é tão simbólico e criação humana, quando a linguagem... Criados pelo mesmo "grito primordial".





E eu, com minha curiosidade e divagações, muitas vezes sou tomada por alguém que faz julgamentos. Na verdade, faço associações, assimilações, sínteses e constatações, com  consciência do mar de perspectivas em que a realidade objetiva  flutua. Processo que nem sempre envolve juízos de valor, nem sempre está em questão os supostos certo e errado. Não sou tão tola que não identifique a inutilidade das querelas meramente ideológicas. E não há ética sem pressupostos ideológicos. A Ética é criação humana e, portanto, digna de suspeitas.





Essa coisa que somos, nascida com a morte do homem, não pode ser identificada por julgamentos morais, não pode ser delimitada por princípios éticos, pois está além do homem... 





Eric Packer e sua limousine, estão presos no trânsito de Nova York. Escreve Don DeLillo:





"Estavam cercados por um crescendo de buzinas. Havia naquele barulho alguma coisa que ele não queria apagar da mente. Era o tom de alguma dor fundamental, um lamento tão antigo que parecia aborígine. Pensou em homens esfarrapados em bandos, dando urros rituais, unidades sociais para matar e comer. Carne vermelha. Era esse o chamado, essa a necessidade gritante. Hoje havia bebidas na geladeira. Nada havia de sólido para o microondas".





Ah, as necessidades, as energias fundamentais... Bingo, DeLillo! 


O além do homem não está sobre, mas sob... o véu. 


E, para o meu deleite, o escritor vai de encontro à minha questão máxima: o que fazer com as respostas?





Eric Packer, em seu âmago, é um desses herdeiro da Terra ainda não virados do avesso pelos disciplinadores. Para estes, ele é o próprio espanto filosófico. Se Packer tem ética, é uma criação própria... Mas está imerso e penetrado pelos símbolos, que nele se transformam e dele se refletem com novas nuances... Decifre os símbolos e sua maneira de processá-los e decifrará o sujeito, o herdeiro além do homem... E o que ele faz com as respostas.



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