Texto: Helena Novais
Em 01.10.2012
Em 01.10.2012
Quem me conhece ou lê os meus textos bem sabe que sou extremamente crítica quanto a qualquer coisa que tenha relação com Comunicação, Mídia e Marketing. Cheguei a abandonar o curso de Comunicação e ir estudar Filosofia por influência do pensamento dos Filósofos de Frankfurt e sua crítica à indústria cultural. Tenho horror a marketeiros e mídia manipuladora em geral e desde que me lembro de mim mesma não perco a oportunidade de falar contra, até a ponto de muitas vezes ser chata.
Porém, sempre levarei comigo os ensinamentos do meu professor de Teoria da Comunicação, um antigo câmera da Rede Globo de Televisão, Doutor em História e com fortes tendências marxistas e freireanas. Disse ele em uma aula: "se você tem ideais e trabalha em empresa de comunicação, tem que procurar 'brechas' para colocar os seus pontos de vista". Nunca me esqueci de suas palavras. E aprendi que abandonar o navio para os inimigos não é solução. Muito pelo contrário.
E o que seriam essas "brechas", perguntou ele em aula? Citei uma passagem de uma edição do Jornal da Globo em que um câmera, ao mostrar a imagem da Ponte Estaiada, então recém inaugurada, havia conseguido filmar de um ângulo que mostrava uma favela... E o professor disse: "É isso! Tem que procurar como compor a mensagem de uma forma que ela traga em si a crítica e passe pela vigilância de quem a selecionada". Explicou que algo como aquela imagem da Estaiada não foi filmada daquele jeito por acaso, pois um câmera da Globo treina movimentos à exaustão. Aquela tomada, como foi filmada, foi pensada e executada para conter aquela crítica e ir ao ar como foi, explicou ele. Uma crítica silenciosa, mas uma imagem que fica gravada na mente como um ponto de interrogação, por non sense.
Por outro lado, filósofos acadêmicos e Filosofia têm um problema sério: a arrogância que cega e limita percepções a teorias vãs. Discurso sobre discurso com pouco ou nenhum contato com a vida que se desenrola e se evidencia sem tréguas... Existem outras formas de "brechas" que fogem ao mero espetáculo banal, embora à primeira vista pareça revestido pela banalidade... Ora, ser crítico e defender pontos de vista é antes um incentivo à atitude crítica autônoma do que mera tentativa de formatação de pensamentos... Acreditar em si, encarar a vida com alegria é antes um incentivo à vontade de viver... Expressar amor e carinho é antes um incentivo ao amor e ao carinho.
A gente não pode ser cínico (no mal sentido), não pode perder a ternura (como disse Che Guevara), a ponto de não ver a beleza e as oportunidades mescladas às coisas feias, ignorá-las como se não existissem... Não vendo-as a gente fica impedido de agir para potencializá-las, deixa no vácuo a bola que é atirada na nossa direção para um próximo drible... Não se pode ser cego a ponto de ignorar os esforços alheios por ser uma "brecha"... O contrário, implica desaprender de enxergar os múltiplos sentidos e possibilidades de uma mesma coisa. É a pior das alienações! Pior por ser alienação típica de quem se considera "grande entendedor".
Daí o que se vê é a confusão das partes com o todo, do complementar com o contrário, da liberdade com a barbárie, da nobreza com o egoísmo, da filosofia com a ideologia... Do discurso limitado que se volta sobre si mesmo incessantemente. Oras, se tudo é relativo, então tanto faz, afinal ninguém pode determinar o que é mal absoluto ou bem absoluto, não é verdade? Não sejamos nobres e belos, sejamos mesquinhos e arrogantes, afinal dá tudo na mesma, não?
Uma das afirmações mais belas que conheço foi feita por Paulo Freire... Disse ele que o proletariado tem uma missão nobre: libertar-se da opressão e agir para, também, libertar o seu opressor... Pessoalmente, passei da fase ingênua em que se acredita que o opressor é um infeliz, perdido na vida, que está esperando uma verdade que o liberte e, diante dela, vai aceitá-la numa boa... Mas foi uma ingenuidade que perdurou por muito tempo. Foi com quase quarenta anos, estudando Filosofia, que em ambiente acadêmico, fui ouvir de um filósofo "eu não falo com qualquer um"... E passei a observar as disputas de ego, o elitismo, a arrogância, o egoísmo, entre aqueles que se dizem "esclarecidos"... Exemplos eu poderia citar inúmeros, desde doutores que brigam como crianças entre si por banalidades e prejudicam seus alunos, até aqueles que se contradizem em suas afirmações o tempo todo, claramente defendendo ideologias próprias (que vão de encontro à própria vaidade) e não fazendo propriamente Filosofia com sinceridade de princípios. A própria fogueira das vaidades!
Por outro lado, se quero ser coerente e se eu falo tanto mal da mídia por um lado, também devo reconhecer quando nela aparece algo que me parece belo e que por si pode ter um valor maior do que o mal que a própria mídia pode fazer... Nunca assisti a um programa inteiro do Faustão. Na verdade, acho chato, chato... Mas ontem, quando ele fazia sua homenagem a Hebe Camargo parei para assistir e me emocionei por muitos motivos... Primeiro foi uma mulher que desafiou a sociedade de seu tempo para viver a vida que escolheu, segundo porque independentemente de classes sociais e ideologias, sempre exercitou seu direito de opinião (que é direito e responsabilidade de cada um)... E, muito além do mero espetáculo televisivo, foi um ser humano que conquistou amigos, conquistou carinho, esbanjava doçura e alegria.
Não me lembro de ter visto dessa mulher, que esteve nas beiradas de fundo de toda a minha vida, nada que fosse arrogante, discriminatório, de má vontade... Nunca ouvi dela algo como, por exemplo, um comentário que li de uma filósofa "ela não vale o câncer que teve, já foi tarde"... Que tristeza! A declaração mais infeliz que li em toda a minha vida! Incompreensível para mim que alguém se ache no direito de fazer tal afirmação... Diante de coisas assim, eu sinto vergonha da academia! Se é isso que se produz em academias de Filosofia, sou mais as "brechas", os acertos e erros da Comunicação... Neles há oportunidades, mesmo que mínimas, e é com essas possibilidades que eu venho procurando trabalhar em educação popular para dar a minha contribuição, por mínima que seja, para a construção de um esclarecimento que acolha a todos e não a uns poucos donos da verdade que pensam ser só de seus iguais o direito ao mundo.
Publicação original: http://claro-escuro.blogspot.com.br/2012/10/discernimento.html
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