Texto: Helena Novais
Em 09.07.2013
Publicação original em: http://claro-escuro.blogspot.com.br/2013/07/wikileaks-e-o-iluminismo-um-processo.html
(1) Na introdução, Andre Forastieri citando Lou Stathis sobre o escritor Philip K. Dick, autor de Blade Runner, em:
noticias.r7.com/blogs/andre-forastieri/2010/12/18/tron-blade-runner-matrix-wikileaks-anotacoes-sobre-uma-mitologia-para-o-novo-milenio/
Em 09.07.2013
“E, de repente, você é chocado com a percepção aterrorizante e repentina: a realidade não é o que parece... no universo de Dick, você não pode confiar em nada. Não só as figuras de autoridade mentiram para você - a própria realidade está mentindo para você. Mas por mais paranóica que seja, a visão de Dick não é desesperadora. Na decadência entrópica há sempre esperança; no absurdo encontramos humor e redenção nas abilidades super-humanas das pessoas comuns que lidam com circunstâncias extraordinárias. Nós podemos conseguir. Podemos não triunfar heroicamente (quem consegue uma coisa dessas?), mas, caramba, vamos sobreviver. Humanos sobreviverão por tanto tempo quanto conseguirem manter sua humanidade, diz Dick, e a medida da humanidade é sua capacidade de se importar.” (1)Durante toda a minha vida me encantei com pessoas bem educadas, gentis, sinceramente e desinteressadamente preocupadas com o próximo, acolhedoras, calorosas, serenamente alegres, cultas, livres de preconceitos, de arrogância, de soberba, esforçadas na sua prática diária de auto-aperfeiçoamento e humildade diante da complexidade e da simplicidade do mundo, pessoas desafiadoras na sua inteligência, pessoas ousadas, criativas, inovadoras... Meio vago tudo isso... Mas, me refiro a pessoas de alto nível de desenvolvimento espiritual, gente do bem e do ir além, realmente! Gente cujas conquistas materiais não são nada mais do que consequência de sua conduta no mundo, marcada pela coerência entre o pensar, dizer e fazer. A maior parte da minha vida me pareceu que estas eram pessoas comumente tidas como dignas de admiração e respeito, como modelos a serem seguidos... Digo "a maior parte da minha vida" porque nos últimos anos parece que isso mudou, o modelo admirado na sociedade passou a ser aquele que aparenta ser tudo isso e, principalmente, que é materialmente bem sucedido, apesar de medíocre seguidor de receitas prontas e seguras, sem risco, sem ousadia, sem reais vitórias e transcendências. Mais do mesmo.
Daí a gente esbarra na situação cínica de que todo mundo pode apenas parecer ser, pois desde que os outros não descubram, tudo bem. É justamente essa inversão de valores que o projeto a longo prazo do Wikileaks, em tese, pode mudar. Todo mundo sabe que guerras existem e atrocidades acontecem nelas, mas esfregar isso na cara dos poderosos do mundo e chamar a sociedade internacional à responsabilidade é atirar ao vento a máscara de aparências que cobre tudo e todos. É ousar investir contra fantasiosos "faz-de-conta-que-não". Provoca comoção e algum efeito, pelo menos por algum tempo... Verdade que não se sabe por quanto tempo e com qual potencial de transformação, pois atualmente temos um problema inédito provocado pela realidade virtual: como diz Assange, ironicamente, "matar pessoas é divertido"... O que a virtualidade faz com a civilização ao distanciá-la do real para projetá-la em mundos paralelos? Quais os efeitos dos games, das tecnologias da informação, das mídias em geral, na estrutura racional e nas capacidades empáticas? Há muito não é mais possível pensar que não há efeitos.
Para transformar e atingir seus objetivos, Assange diz que "os fins justificam os meios". E, a princípio este me parece o pior argumento que ele poderia usar. Sua pior declaração! Qualquer um poderia retrucar "bem, se os fins justificam os meios, então tudo bem que os EUA façam guerras, pois eles também acreditam nos seus fins e tomam as guerras como meio; tudo bem que as corporações e a subserviente mídia nos bombardeiem com suas ações falaciosas de marketing, com suas manipulações e filtragens de informações, pois eles também têm fins e usam essas ações como meios"... Por aí se justifica tudo! Por aí se desemboca no relativismo e numa discussão ética sem fim, que só seria solucionada por acordos consensuais, o que é quase impossível!
Mas, o que Assange poderia responder é "o uso que o Wikileaks faz dos meios rompe com a estrutura e nos tira do círculo vicioso". Eis a questão! Fazer guerras gera inimizades sem fim e retaliações imprevisíveis; o discurso corporativo bloqueia o esclarecimento e mantém o sistema. A exposição dos fatos, ao contrário, extrapola o paternalismo governamental e a estrutura de exploração corporativista; provoca discussões e impulsiona a consciência crítica, levando a rever aquela inversão de valores, aquela velha disputa entre o ser e o parecer. Mas, isso é um processo nada curto e nada fácil.
Não concordo quando se diz que ao propor aos outros padrões elevados de pensamento e comportamento se deve já estar no nível proposto. Se o avanço é sempre uma utopia ao longe, um devir, também é uma ambição para o próprio proponente. É o velho "faça o que eu digo, não faça o que eu faço". Em outras palavras, julgue a proposta e não o proponente. Esperar que Assange seja um exemplo de perfeição é esperar um guia infalível, um ídolo perfeito, um santo. É justamente o contrário do que ele propõe.
Que não se siga ídolos e líderes, mas que se progrida no auto-esclarecimento, que se faça o melhor uso da liberdade, com responsabilidade; que não se espere um "salvador", mas que cada um aprenda a atingir o melhor de si e oferecer o seu melhor, a ser e não apenas parecer; que as qualidades e não as pessoas constituam modelos a serem seguidos. Somos apenas humanos, demasiadamente humanos. É o resgate das condições e possibilidades de realização do potencial de toda a humanidade que o Wikileaks coloca em jogo... Olhando por aí, a própria organização é uma luz no horizonte, mas não é inabalável, inquestionável. Ainda bem!
Publicação original em: http://claro-escuro.blogspot.com.br/2013/07/wikileaks-e-o-iluminismo-um-processo.html
(1) Na introdução, Andre Forastieri citando Lou Stathis sobre o escritor Philip K. Dick, autor de Blade Runner, em:
noticias.r7.com/blogs/andre-forastieri/2010/12/18/tron-blade-runner-matrix-wikileaks-anotacoes-sobre-uma-mitologia-para-o-novo-milenio/
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