Texto: Helena Novais
Em 07.07.2013
Dias atrás eu conversava com um amigo sobre o meu estado de letargia. Falava da minha saudade de viver a vida apaixonadamente, com o coração cheio de esperanças como na época da minha adolescência. Coisas que me moviam antigamente, agora têm sobre mim um efeito "morno". Tudo tem cara de "já vi esse filme antes". E me convencer a fazer qualquer coisa tem sido um problema sério. Esse desgaste me veio muito, ou totalmente, em função das minhas decepções com as pessoas. Bem poucos, raríssimo, estão preocupados com algo que não seja o próprio umbigo.
Porém, a "mornidão" não é um estado que combina com um intelectual. Desde o começo dos meus estudos em Filosofia digo que os livros não bastam, que é necessário viver, e viver intensamente, para ter perspectivas autênticas, conclusões pessoais e íntimas. Então, é necessário que eu volte a me apaixonar por algo. Mas, o que poderia ter sobre mim um efeito tão forte?
Só hoje, tomando meu café da manhã, e pensando nas imagens que vi ontem à noite no site do O Globo, me dei conta do motivo de eu prestar cada vez mais atenção aos movimentos por liberdade na Internet, em Assange & Cia, agora em Snowden: esperança.
Sempre me achei meio maluca por mandar às favas aqueles empregos e oportunidades "maravilhosos" pelos quais muitos dariam alguns anos da própria vida, porque neles estavam envolvidas coisas que eu considerava como graves e com as quais eu não concordava. Por duas vezes eu fiz e não me arrependo. Tenho a firme convicção de que se as pessoas dissessem "não" mais vezes o mundo seria bem melhor. Consciência é para nos orientar, então que façamos uso dela. Mas, quando vi as imagens dos programas de espionagem copiados por Snowden e enviados por ele ao jornalista Glenn Greenwal, fiquei pasma com a coragem e disposição do americano! Ele, com certeza sabe que nunca mais terá uma vida tranquila.
Por outro lado, em 1998 foi lançado o filme Inimigo do Estado (Enemy of The State), de Tony Scott, com Will Smith como protagonista. Sinopse do site Cine Players: "Um advogado (Will Smith) recebe um vídeo que denuncia um poderoso oficial da CIA e passa a ser perseguido implacavelmente por agentes, que colocam sua vida em perigo. Agora o único homem que pode ajudá-lo é um ex-integrante do governo (Gene Hackman) que atualmente trabalha com vigilância." Eu não sei dizer qual a repercussão que este filme alcançou na época, pois eu mesma só fui prestar atenção nele há muito pouco tempo. Provavelmente foi vinculado à ficção científica. Mostra um fugitivo monitorado por chips, celulares, cartões de crédito, câmeras de rua, por satélites, numa caçada em ritmo vertiginoso... Em 1998! Uma coisa invasivamente escandalosa! Quando eu assisti entendi como absolutamente possível nos dias de hoje.
Muito antes da publicação do livro Cypherpunks, no início deste ano, já estavam em compartilhamento os vídeos da reunião de Assange com os criptopunks Jacob Appelbaum, Andy Müller-Maguhn e Jèrémie Ziimmermann. O alemão Müller-Maguhn chega a falar longamente sobre tecnologias de monitoramento em massa das telecomunicações... O que Snowden fez foi oferecer as provas do que Müller-Maguhn já sabia... Eu me pergunto o por que de as pessoas não terem dado a devida atenção ao filme, assim como para as declarações dos criptopunks e outras evidências tão evidentes do que está se passando.
Não tenho absolutamente nada contra observarem e tirarem conclusões de imagens, textos e informações que eu mesma torno públicas pela Internet. Há quem escancare a própria vida pela rede e depois sai reclamando porque alguém viu e automaticamente interpretou. Mas, não é disso que se trata... Aí o buraco é bem mais embaixo... As imagens dos gráficos do programa X-Keyscore esclarece a estrutura e profundidade da vigilância, mostra o Brasil como foco estratégico. Fica claro os motivos do vôo de Evo Morales ter sido interditado na Europaa. Em outras palavras, não interessa para EUA e Europa ter alguém com o conhecimento de Snowden como aliado da América Latina.
E a gente vê programas de educação com distribuição de notebooks e tablets para crianças e acha o máximo (eu, na verdade, nunca achei, pois há tempo pra tudo)! Estamos habituando nossas crianças a uma forma de vida que as escraviza a um império mundial! Na época da escravidão explícita, os feitores de escravos não eram tão eficientes em larga escala quanto são hoje as tecnologias da informação.
Mas o que fazer diante disso? Evidentemente reagir... Se por um lado a informática tem as suas vantagens e não podemos mais prescindir delas, por outro, houve um tempo em que os computadores eram vendidos "vazios", precisavam ser programados. A origem dos programadores autodidatas e hackers está aí. Eles precisavam criar suas próprias ferramentas para interagir com a máquina e aprendiam a fazer. Isso mudou em larga escala quando surgiu a Microsoft e a Apple que passaram a oferecer softwares prontos e os computadores passaram a ser vendidos com eles. Era mais prático e fácil usar máquinas com rotinas estabelecidas e compatíveis com outras. E nos acomodamos a isso.
Afinal, a crise da informática, tem um lado bom que é fazer com que as pessoas criem mecanismos de reação à submissão tecnológica. Precisamos voltar a aprender a dominar as técnicas e deixar de permitir que elas nos dominem por conta da nossa ignorância. Isso se traduz em aulas de programação e criptografia nas escolas, para que se aprenda a criar os próprios programas e sistemas de segurança; aulas sobre hardware e desenvolvimento de redes locais autônomas.
Lendo o jornal The Guardian, ontem, vi o comentário de um leitor que sugeriu ao repórter Glenn Greenwal um estudo sobre os efeitos econômicos das denúncias de Snowden. É de se esperar que as pessoas mudem seu hábito e muitos deixem de usar produtos das empresa envolvidas, como Facebook, Google, Skype, Yahoo, Apple, entre outras... Se já não estivermos todos tão viciados a ponto de não os deixar e passarmos a nos proteger, grandes mudanças deverão ocorrer... Pessoalmente, eu gostaria muito de ver os grandes conglomerados de comunicação perderem espaço para as escolas de informática e mídias independentes, e profissionais independente.
Diante de tudo, as minhas esperanças se renovam frente à evidência de que os "malucos" que dizem "NÃO" ainda existem, não estão em extinção e eu não sou um animal pré-histórico e solitário, enfim. Quem disse que ao retirar-se do jogo com um belo e bom "não quero e não vou brincar disso", a gente não muda nada? A questão é que nunca é responsabilidade de um só. Neste caso se Snowden deu o pontapé inicial, cabe a cada um fazer a sua parte para mudar.
Ah, em tempo... Para o nosso Ministério de Relações Exteriores, que se recusou a responder o pedido de asilo de Edward Snowden, o material publicado no O Globo de hoje é uma resposta e tanto! Fiquei com ainda mais vergonha da atitude (ou falta de) do Itamaraty... Falta de visão, incompetência ou conivência?
Referências
Inimigo do Estado (Filme) > http://www.youtube.com/watch?v=2Krk7zWZkHU
O Globo. EUA espionaram milhões de e-mails e ligações de brasileiros
O Globo. EUA expandem o aparato de vigilância continuamente
O Globo. Mapa mostra volume de rastreamento do governo americano
Publicação original: http://claro-escuro.blogspot.com.br/2013/07/das-provas.html
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